Você já deve ter visto o documentário “Abba
– The Movie”, ou pelo menos ouvido falar dele (não achei inteiro, mas
dá pra ver algumas partes no link que está no final desta matéria). O filme,
dirigido pelo hoje celebrado cineasta Lasse
Hallstrom (o mesmo que criou quase todos os clipes do Abba), é um retrato da turnê que a banda mais famosa da Suécia realizou na Austrália, em 1977.
Minha ideia inicial foi escrever sobre “Abba – The Movie”, mas acabei
desistindo, simplesmente porque qualquer (mas qualquer mesmo) resenha que eu escrever sobre este clássico do cinema trash-musical será um bruta de
um spoiler.
Resolvi, então, contar a história por trás do filme. Melhor ainda, a história
de como a adoração dos australianos pelo Abba salvou o quarteto sueco do
esquecimento logo no começo da carreira. Leiam, porque – modéstia à parte –
vale a pena.
Naquele ano de 1977, como se pode
ver no filme, o Abba desembarcou com toda a pompa e circunstância que merecia
na terra dos cangurus. E o que os noticiários e o próprio filme retratam não
tem nada de fake – é totalmente real.
Aeroportos cheios de gente, ruas lotadas, jovens acampando nas calçadas e na
frente do hotel onde a banda estava, fã-clubes uniformizados com pessoas de 8 a
80 anos, choros, chiliques, gritaria, desmaios dos admiradores mais insensatos...
Enfim, cenas de beatlemania – ou,
pelo menos, de menudomania. E em
todos os lugares se ouvia pessoas de todas as idades berrando a plenos pulmões:
“We
want Abba!” (Queremos Abba!).
Na época, o grupo já estava mais
do que estourado na Austrália, que, aliás, foi o primeiro país onde o Abba
virou febre. É inacreditável, mas é verdade. Tudo começou em 1974, quando o Abba representou a Suécia com a canção “Waterloo” e ganhou o primeiro lugar no
Eurovision, um festival que existe
desde 1956 e que serve como vitrine
para revelar novos talentos da música européia. O guitarrista (e lider) Bjorn Ulvaeus, o tecladista Benny Andersson e as cantoras Agnetha Faltskog (loira) e Anni-Frid
Lyngstad (morena, que depois tingiu de acaju) haviam se unido um ano antes e formado o Abba, uma banda pop sem nenhuma pretensão além de
fazer músicas simples e dançantes. O nome do grupo era a junção das iniciais
dos nomes dos seus quatro integrantes. “Waterloo”
explodiu nas rádios da Europa e dos Estados Unidos, mas depois dessa música
o Abba não estava conseguindo emplacar mais nenhum single. A BBC de Londres, inclusive, chegou ao
cúmulo de se recusar a tocar outras canções do grupo, por considerá-las ruins
demais. E não foi só: a turnê mundial do Abba foi um fracasso, e o quarteto
precisou cancelar vários shows por falta de demanda. A alegria dos quatro
talentosos suecos parecia destinada a durar pouco...
Até que... Tchanananammmmm! Um
apresentador de TV, jornalista e produtor australiano chamado Ian “Molly” Meldrum (esse cara da foto aí embaixo) , que estava sempre
em busca de material novo e com potencial de sucesso para apresentar em seu
programa de música pop “Countdown”, voltado principalmente
ao público teen e pré-adolescente,
assistiu aos videoclipes de “Ring Ring”,
“S.O.S.”, “Bang A Boomerang”, “I do, I
do, I do, I do” e “Mamma Mia” do
Abba, enviados pela gravadora do grupo, a RCA,
em um rolo de filme. Meldrum ficou maluco. Era o ano de 1975. Bem nessa época, a TV
a cores chegava à Austrália, e a emissora Australian Broadcasting Corporation (ABC) havia decidido que o “Countdown”,
que era uma das suas atrações mais populares, seria um programa colorido. E
como Abba era (e ainda é) sinônimo de cor e brilho, o delírio foi ainda maior: Meldrum
se encantou com a fotografia dos vídeos, dirigidos pelo então desconhecido e
hoje adorado Lasse Hallstrom. Eram clipes baratos, mas com imagens que
misturavam o clima onírico dos anos 70
com efeitos, movimentos de câmera e tomadas bastante avançados para a época.
Tudo transbordando cor e brilho, perfeito para a estréia da nova fase do “Countdown”.
Aleatoriamente, Meldrum optou por exibir no programa o clipe de “I do, I do, I do, I do”. Não deu
outra: puxada pelo sucesso do clipe bizarro e fascinante
(https://www.youtube.com/watch?v=tW3HN_pvbE4), “I do, I do, I do, I do” bombou nas paradas australianas, chegando
ao número 1, e em seguida foi lançada na Nova
Zelândia, onde também atingiu o primeiro lugar. Mas em nenhum outro lugar
do mundo a canção emplacou.
Então Molly Meldrum resolveu lançar
no programa o clipe de “Mamma Mia”,
que, assim como a própria canção, era ainda mais louco e divertido. O figurino
da banda, com muito brilho, sapatos plataforma, plumas e lycra, chocou o público inicialmente, e as sobreposições de
imagens, bem viajandonas, causaram um impacto jamais visto. Mas “Mamma Mia” acabou ganhando os
espectadores do “Countdown” – principalmente por causa do seu refrão,
irresistivelmente pegajoso. Isso levou a RCA e lançar, às pressas, o single da
faixa na Austrália. As vendas foram astronômicas, e a gravadora viu que valia a
pena acreditar novamente no Abba. “Mamma
Mia” foi lançada mundialmente e virou hit nos quatro cantos da Terra.
A partir daí, seguiu-se uma
saraivada de hits nas paradas mundiais, principalmente nas paradas
australianas. A abbamania começava a se alastrar pelo planeta. Para terror dos
fãs de rock pesado, o quarteto sueco
emplacou single atrás de single, a maioria deles puxados pelos
hoje clássicos videoclipes, todos seguindo a receita infalível de sucesso:
imagens ora sobrepostas, ora fundidas, ora em caleidoscópio, ora tudo isso
junto, aquele pisca-pisca de luzes que quase cegam o espectador, jogos de
espelhos, closes bizarros e, claro, as inconfundíveis dancinhas. Era kitsch? Siiimmmm!!! Era brega?
Siiimmmm!!! Era exagerado? Siiimmmm!!! Mas, me diga, o que não era kitsch, brega e exagerado nos anos 70?
“Se os clipes que eu criei para o Abba foram exagerados, artificiais, ridículos
e de mau gosto, naquela época eu nem reparei”, brinca Hallstrom hoje.
Em 1976 explodiu o maior sucesso do Abba: “Dancing Queen”, que era a faixa de trabalho do álbum “Arrival”. Consagradas como sex symbols e divas pop, Agnetha e Frida
passaram a ditar moda. Tudo o que as duas musas do Abba usavam virava febre
entre a mulherada. Junte-se a isso o fato de que a banda vinha de um país que
na época tinha poucos artistas pop conhecidos no resto do mundo, o que criava
um apelo ainda maior. Nem mesmo os integrantes do Abba imaginavam todo esse
sucesso. Malandrão, o australiano Reg Grundy,
produtor de TV e homem de negócios, assinou um contrato de exclusividade para
que apenas a sua emissora, o TCN-9,
pudesse exibir material ligado ao quarteto sueco. Mas o cara foi além: ele
comprou os direitos da marca “Abba”
na Austrália e os licenciou para que todo tipo de bugiganga fosse fabricado com
o nome e a figura (às vezes até mal desenhada) do grupo. E as empresas
antenadas deitaram e rolaram: comercializaram camisetas, moletons, canecas,
sacolas, álbuns, revistas, roupas de cama, chicletes, uma infinidade de
produtos da nova “grife”. Até bonecos
tipo Barbie e Ken de Agnetha, Bjorn, Benny e Anni-Frid os fãs puderam
comprar – com direito a cartelas de roupinhas (vendidas separadamente) para
trocar!!!
Também em 1976, o Abba pisou na
Austrália pela primeira vez. Foi recebido com uma euforia e um carinho
inesperados e inacreditáveis. A turnê incluía não apenas shows, mas também a
gravação de um especial de televisão – para a TCN-9, é claro.
Obviamente, tudo o que é demais
enjoa. E depois de tanto sucesso, os discos do Abba começaram a encalhar nas
lojas. E isso a partir de 1979, ou
seja, antes da dissolução do grupo, em 1983.
A partir daí, o Abba caiu numa espécie de limbo, que durou todo o resto da década de 1980. Com exceção dos gays,
que nunca deixaram de amar a banda, os australianos ficaram literalmente de
saco cheio e sem poder nem ouvir falar nela. Os poucos que ainda curtiam o
quarteto sueco escondiam sua adoração para não ser ridicularizados.
Sóóóóó lá no início dos anos 90 o Abba foi ter seu talento e
sua qualidade reconhecidos. Primeiro, tendo músicas incluídas nas trilhas
sonoras de filmes de sucesso, como “O Casamento de Muriel” (https://www.youtube.com/watch?v=3U4kDzwZAMk)
e “Priscilla,
a Rainha do Deserto” (https://www.youtube.com/watch?v=vWbaah51-Sk). E
em seguida, com o lançamento, em 1992, da excelente (e hoje clássica) coletânea “Abba Gold” (https://www.youtube.com/watch?v=2ZUX3j6WLiQ&list=PLBEA362DAD76373B7),
que muita gente defende ter sido o álbum mais vendido de todos os tempos em
todo o mundo.
Exagero ou não, uma nova geração de
abbamaníacos nasceu, e se consolidou graças ao filme “Mamma Mia”, de 2008, dirigido por Phyllida Lloyd, estrelado por Meryl
Streep e todo baseado em canções do Abba. É um musical que já nasceu
clássico – afinal, não há quem não tenha vontade de levantar da cadeira, seja no sofá de casa, seja no cinema, para dançar e cantar junto (https://www.youtube.com/watch?v=Zi7OXmTmgGg&list=PL1617336F94BD4D37&index=12). E este ano, foi lançado um “Mamma Mia 2”, continuação da
produção de 2008, com Cher no elenco
(https://www.youtube.com/watch?v=pM4Ou4T3s_I). E no início deste ano, os quatro
integrantes da banda nos surpreenderam anunciando, provavelmente para dezembro,
o lançamento de um single inédito (hummm,
isso daria um bom assunto para outro texto...).
Pegue tudo isso e acrescente os
milhões de memes que são produzidos diariamente mundo afora tendo como temas os
quatro suecos, suas músicas, suas coreografias e seu figurino. Sem mencionarmos
a quantidade de bandas cover que proliferam pelo planeta. A nós, os fãs, não
importa de qual geração sejam, só resta agradecer a Agnetha, Bjorn, Benny e
Anni-Frid pela sua música. Valeu, Abba! #ThankYouForTheMusic
#Forever
Link para trechos do documentário "Abba - The Movie":
https://www.youtube.com/watch?v=OhSlU2wyE2s&index=6&list=PLAA4D1326FF2E8EC3
https://www.youtube.com/watch?v=OhSlU2wyE2s&index=6&list=PLAA4D1326FF2E8EC3
FONTES