Ultimamente,
Hollywood e a TV brasileira têm vivido uma onda de reciclagem de personagens
por novos autores cuja pegada não tem nada a ver com o espírito dos criadores
deles. O único objetivo desse tipo de coisa é faturar uma grana em cima do
sucesso daquilo que deu certo no passado. Fiz esta matéria para homenagear dois
caras que quem lê este blog sabe que fizeram parte da minha vida, e que eram
geniais em tudo, inclusive em atualizar personagens criados por outros autores
e ganhar dindim com eles. Tô falando de William
Hanna e Joseph Barbera– eles mesmos, os craques da Hanna Barbera, que eu já citei na matéria Josie & As Gatinhas, Os Impossíveis e o Hit Parade da Hanna Barbera
(tem no Arquivo do blog). A trajetória dessa dupla é um exemplo de que é possível
reinventar (e às vezes até aproveitar descaradamente) ideias alheias e ter
muito sucesso, sem fazer algo emburrecedor, oportunista e/ou de má qualidade.
Separei aqui alguns desenhos da HB que foram baseados em personagens alheios,
mas que marcaram a infância de milhões de pessoas e trouxeram novo vigor a criações
de outras épocas e/ou autores.
Capitão Caverna & As
Panterinhas
Reciclagem cara-de-pau: em 1977 o seriado “As Panteras” estava no
auge. De carona nesse sucesso, a Hanna Barberalançou a animação “Capitão Caverna & As Panterinhas”.
Aos coroas da minha geração é dispensável a explicação de quem é o Capitão
Caverna: um monstro feio, brigão e peludo, sempre com um porrete nas mãos.
Conforme o nome diz, ele foi descongelado pelas Panterinhas – as garotas
Brenda, Kelly e Sabrina– e trazido do tempo das cavernas para o século XX.
(Obviamente, o bicho não existia em “As Panteras”). Sempre que ficava
zangado, ele soltava seu grito de guerra inesquecível: “CapitããããoCaveeeernaaaaaa!!!”. Detalhe: a voz do Capitão Caverna
era feita, no original em inglês, por Mel
Blanc, que dublou a maioria dos personagens dos desenhos da Warner e foi o primeiro dublador do Pica-Pau. A molecada da época adorava
imitar o personagem na escola, na hora do recreio. Talvez por isso o desenho
tenha tido mais sucesso: durou de 1977 a 1980 e teve 62 episódios. Esse é o
típico classicaço que ninguém esquece.
Gasparzinho & Os Fantasmas do
Espaço
Se você tem mais de 40 anos, com certeza se lembra do fantasminha que
queria só fazer amigos, mas nunca conseguia porque todos se assustavam com o
fato de ele ser um... FANTAAAASMAAAA!!!! Pois é, ele foi criado em 1939 pela Harvey, que produziu desenhos com ele
desde 1945 (os melhores!) até meados dos anos 60. Em 1979, os recicladores da
HB desenterraram o personagem e o transformaram no fantasma de um astronauta
(isso mesmo!), que vivia no ano de 2079 (por que será?) e lutava contra vilões
acompanhados das Panterinhas – sim, maaais uma vez a Hanna Barbera pegava
rabeira no sucesso do seriado “As Panteras”, só que estas Panterinhas
eram outra “formação”, e eram só duas, Mini e Maxi (belo nome pra uma dupla
sertaneja). Além delas, Gasparzinho tinha outro amigo neste desenho, um
fantasma meio sonso chamado Assombroso. Cada episódio tinha 30 minutos de
duração. A série, pelo visto, não foi um grande hit: durou só 3 meses, de
setembro a dezembro de 1979.
A Família Dó-Ré-Mi No Espaço
Sideral
Essa história é curiosa e eu já andei contando um pouco dela aqui. Em
1974, a Hanna Barbera quis criar uma segunda fase para o desenho “Os Jetsons”, mostrando Elroy e Judy, os
filhos do casal Jetson, como jovens (tipo o que eles haviam feito entre 1971 e
1972, com a nova versão dos Flintstones
que mostrava BamBam e Pedrita como adolescentes descolados). A emissora CBS, que exibia o desenho, disse não ao
projeto. Porém, licenciou os personagens da série de live action“A Família Dó-Ré-Mi”
para que H&B fizessem uma versão em desenho animado. Aliás, a Família
Dó-Ré-Mi não era exatamente estreante em desenhos: ela já havia feito inúmeras participações
especiais no desenho “Goober & Os Caçadores de Fantasmas”,
um sub-Scooby Doo que a HB produziu
entre 1973 e 1975. O que William Hanna e Joseph Barbera fizeram? Jogaram a
família no futuro (no ano de 2200, mais precisamente) e criaram uma versão
espacial da adorada série sobre uma família de músicos. O desenho não emplacou
como se esperava, pois durou apenas um semestre – de setembro de 1974 a março
de 1975.
Jeannie É Um Gênio
Este aqui muita gente não sabe (ou não se
lembra) que existiu, mas eu posso afirmar que fez parte da minha infância. Aqui
os personagens da lendária série live-action“Jeannie É Um Gênio” são
reaproveitados, mas em outro contexto: os “donos” da “gênia” são agora Corey e
Henry, dois motoqueiros recém-saídos da adolescência, que curtem praticar surfe
e paquerar garotas. No seriado original, Jeannie pertencia a um astronauta,
Tony Nelson, por quem ela se apaixonava. A Jeannie do desenho morria de ciúme
de um dos dois motoqueiros, Corey (compreensível, pois ele era o mais
bonitinho, hehehe) e faz de tudo para agradá-lo. A versão animada tinha também
o personagem Babu, um covarde e imaturo “gênio estagiário” sob o comando de
Jeannie. O desenho foi lançado em 9 de setembro de 1973. Infelizmente, teve só
16 episódios No Brasil, passava na TV Record no comecinho dos anos 80. Aposto
que muita gente, assim como eu, conheceu o desenho antes do seriado.
Charlie & A Família Chan
O personagem Charlie Chan, um detetive chinês que trabalhava para a
polícia havaiana (!!!) foi criado em 1926 pelo escritor Earl Derr Biggers (1884 – 1933). Foi protagonista de meia dúzia de
livros e de uma batelada de filmes. Boa parte desse sucesso se deve ao fato de
Charlie ser retratado como um sujeito inteligente, bondoso e elegante,
contrariando os estereótipos raciais negativos da época em relação aos
orientais. Em 1972, William Hanna e Joseph Barbera resolveram reciclar o
personagem... com rock and roll na trilha sonora! A dupla inventou a série de
animação detetivesca-musical “Charlie & A Família Chan”, em
que o chinês, sua filharada cujos nomes nem ele sabe direito, e o cachorrinho
Chu Chu viajam pelo mundo em uma van, resolvendo mistérios. Os filhos mais
velhos tinham também uma banda musical – explicada a trilha roqueira-chiclete?
Exibida de setembro a dezembro de 1972, a série animada teve meros 16
episódios. Assim como muitas séries de animação criadas pela HB nos anos 1970, “Charlie
& A Família Chan” fazia uso da claque,
aquela famosa risadinha gravada cuja utilidade eu nunca entendi. (Será que era
um jeito de dizer ao telespectador: “Ria,
seu idiota, isto é uma piada! É pra rir! Ria, estou mandando!!!”? Esse
negócio de claque sempre me irritou, pois acho um desrespeito à inteligência do
público). Quando o desenho foi exibido nos canais Cartoon Network e Boomerang,
a claque, que aliás era criada pela própria HB, foi retirada.
Os Super Globe Trotters
Clássico e com um visual inesquecível, “Os Super Globe Trotters”
tornou-se um caso de auto-reciclagem. Entre 1970 e 1972, a HB produziu e exibiu
a série “The Harlem Globe Trotters”, que pegava carona na então
popularidade do famoso time de basquete acrobático dos EUA, Harlem Globe Trotters (sim, eles existem
de verdade!), apresentando seus integrantes reais como personagens de desenho
animado. Foi um sucesso. Mais que isso, foi o primeiro desenho com um elenco
principal todo afrodescendente. Em 1979, William Hanna e Joseph Barbera
resgataram os personagens da série que eles mesmos haviam encerrado sete anos
antes, e lhes deram superpoderes! “Os Super Globe Trotters” trazia um
grupo de jogadores de basquete também inspirado nos Harlem Globe Trotters, mas
que viravam super-heróis na hora de combater o crime. O desenho estreou em
setembro de 1979 (quando esta que vos fala completava 5 aninhos!) e teve 13
episódios; em cada episódio os campeões enfrentavam um supervilão diferente.
Virou até vídeo game, da marca Nintendo.
Como
eu sempre digo, tá faltando inteligência e criatividade na grande mídia. Ao
contrário do que se pensa, desenterrar o que emplacou no passado e “fazer uma
releitura” (para usar o termo da moda que esse pessoal a-do-ra) é algo
extremamente arriscado, pois uma “nova versão” pode queimar o filme da obra
original e matar a galinha dos ovos de ouro dos criadores. Risco por risco,
acho bem mais inteligente garimpar novos talentos fora da grande mídia e dar a
eles a chance de criar algo novo, surpreendente e inteligente. Afinal,
reciclagem caça-níqueis no cinema e na TV pra mim é criminoso – a não ser que você tenha a genialidade de William Hanna
e Joseph Barbera.
Texto já publicado no blog Blah Cultural
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