Resolvi escrever esta matéria porque,
de uns tempos para cá, tenho notado um fenômeno interessante aqui na Internet: pessoas bem jovens,
normalmente adolescentes, fazendo comentários do tipo “Eu tenho 16 anos, mas gosto muito da Marilyn Monroe” ou “Amo Beatles e só tenho 12 anos”, ou ainda “Será
que é normal alguém da minha idade achar “E O Vento Levou” mais legal
do que “Harry Potter?””. Embora eu leia esse tipo de frase em
inglês ou espanhol, elas são mais comuns em português – do Brasil, é claro.
Acontece com frequência, também, de
eu ir a festas e reuniões, e certas pessoas, ao ficarem sabendo que eu tenho um
blog sobre o cinema pré-1980, me
chamarem em um canto e me perguntarem timidamente qual o nome de um filme que
elas viram há muito tempo em preto e branco, em que acontecia isso, isso e
aquilo. Ou então me dizerem, com a cara roxa de vergonha, que morrem de
curiosidade de ver filmes muito, mas muito antigos mesmo, e me pedirem dicas de
DVDs de clássicos para elas assistirem.
Gente, que raio é isso???
Confesso que esse tipo de coisa, ao
mesmo tempo em que me enche de alegria, me deprime um pouco. Num país que não
tem memória e em tempos em que as novidades mudam a todo instante, não é de se
estranhar que nós, que curtimos filmes lançados há décadas atrás, sejamos
vistos como alienados, babacas ou esquisitões.
Apesar desse
preconceito, muita gente vem se interessando por este material – seja porque clássicos de outros tempos andam sendo
citados em vários filmes recém-lançados no cinema ou em diversos seriados de TV
da moda, seja porque os professores nas escolas recomendam que os alunos
vejam certas obras-primas cinematográficas da Velha Guarda (um bom exemplo disso é Charles Chaplin).
Este texto aqui surgiu como uma
espécie de desabafo: trata-se de uma lista com algumas das coisas mais
irritantes que os fãs de cinema realmente antigo são frequentemente forçados a
escutar, e as minhas respostas a elas. Vamos lá:
1.
“Por que você gosta desse artista se ele nem é do seu tempo?”
Esta aqui é uma das coisas que todo
mundo que tem um ídolo de outra época já escutou, pelo menos uma vez na vida. E
confesso que é uma pergunta que me dá nos nervos. Desde quando existe idade
para gostar do que é bom? Aliás, desde quando o que é bom tem idade? Ao se
deparar com alguém que curta filmes e/ou músicas de outros tempos, jamais faça
essa pergunta. Fica feio exibir a sua ignorância por aí. Em vez disso,
pergunte: “Como você descobriu esse
artista/filme/música?”. Soa bem melhor e você não passa a impressão de ser
um sujeito de cabeça fechada.
2.
“Pare de perder seu tempo com estas velharias, você tinha que estar
curtindo lançamentos!”
Se a grande mídia da sua época só produz
porcaria, então, você não só tem direito como tem obrigação de pesquisar
material de qualidade feito em outros tempos. Ainda mais tendo Internet à sua
disposição. E não precisa sentir culpa nenhuma e nem vergonha nenhuma por isso!
Assistir aos lançamentos é superlegal, mas ver só novidade é chato demais.
Principalmente depois que você descobre a quantidade de jóias que foram feitas
décadas atrás...
3.
“Este filme é muito antigo, ele é do ano passado.”
Puts, isso é a típica frasezinha que
me descontrola. Gente que se recusa a ver um filme porque ele “já saiu do
cinema e, portanto, já está fora de moda” e/ou gente que perde a chance de
assistir a coisas maravilhosas porque ninguém vai comentá-las não é um
verdadeiro fã de cinema nem aqui e nem na China. Tá bem, não é nenhum crime
encarar a sétima arte apenas como uma diversão ou uma forma de se manter
atualizado. Mas que sua formação cultural perde pra caramba com isso, ah,
perde.
4.
“Minha avó vai gostar de conhecer você, ela é fã de todos esses filmes
que você adora!”
Cansei de escutar isso nos tempos de
colégio. Qual o problema de eu gostar do mesmo filme que a sua avó? Tem gente
que faz esse tipo de comentário em tom de ofensa, como quem diz: “Olha como você é um babaca desatualizado e
fora da realidade!”. Não caia nessa. Ao ouvir isso, responda: “Sua avó deve ser uma pessoa de muito bom
gosto!”. Porque é isso mesmo que ela é.
5.
“Eu ia te convidar pra ir comigo no cinema, mas esqueci que você só
assiste coisa velha...”
Aí temos uma situação embaraçosa, e
mais frequente do que se pode pensar. Geralmente, ao ficarem sabendo que você
curte clássicos da Velha Guarda, algumas pessoas podem achar, sem maldade
alguma, que produções atuais não são a sua praia. Não precisa ficar nervoso.
Basta dizer à pessoa que você também curte assistir aos lançamentos na telona.
Afinal, a pessoa não quis te ofender.
6.
“Detesto ver filmes muito antigos. Nunca vi nenhum, mas sei que detesto.”
Típico preconceito deste país que não
tem memória. A pessoa está acostumada, provavelmente desde criança, a ouvir os
outros falarem que filmes muito antigos são chatos – provavelmente as pessoas que dizem isso pra ela também nunca viram um filme antigo pra saber se é bom ou
não, mas como todo mundo diz que é chato, elas dizem que é chato também. Não
entre na delas.
7.
“Qual a graça de ver um filme mudo se ele não tem falas?” e/ou “Não gosto de filmes em preto e
branco. Não consigo acostumar a ver filmes em preto e branco, parece que a
televisão está quebrada!”
Nossa Senhora, isso é dose de
escutar. É verdade que a primeira vez que assiste a um filme silencioso a gente
estranha, mas é um estranhamento que passa rapidinho. Ver filmes em preto e
branco é que nem ver filmes mudos, que é que nem ver filme legendado: questão de costume. Aos que disserem isso para
você, responda que basta eles tentarem que eles se acostumam. Só isso.
8.
“Antes de 1980 existia filme? Quer dizer, tirando algumas coisas lá que
uns nerds gostam...”
Antes de mais nada, gostaria de dizer
que não tenho absolutamente nada contra
pessoas que curtem discos de vinil – muito pelo contrário. Em vinil é
possível encontrar uma pá de coisas que as nossas gravadoras nunca se
interessaram em lançar (ou relançar) em CD. A pergunta é: por que gostar de discos de vinil é considerado uma coisa chique, descolada e bacana, e gostar de
filmes feitos antes de 1980, principalmente filmes em preto e branco e filmes
da época do cinema silencioso, é tido como algo cafona, brega, ultrapassado e
até mesmo vergonhoso? As duas coisas não são hobbies retrô? Não são coisas
nerds, no sentido positivo da palavra? Eu acho que já passou da hora de isso
ser repensado.
9.
“Gostar de filmes velhos não torna você mais inteligente do que ninguém.”
Com certeza, colega. Mas ser o tipo
de pessoa que acompanha todas as ondas, em vez de ser seletivo, acrescenta
alguma coisa? Quando eu digo ser seletivo, me refiro ao seguinte modo
de pensar: “Isso está na moda e eu vou
curtir porque eu acho legal. Já isso também está na moda mas eu detesto, então
não vou curtir nem fingir que curto apenas para ser aceito no grupo”. Ninguém é melhor do que ninguém, mas
saber que o fato de uma obra de arte ser boa não tem nada a ver com a data em
que ela foi produzida é, sim, uma atitude inteligente.
10. “Quem gosta disso já está no
cemitério!”
Essa é a pior de todas. Não, quem não
gosta disso não só não está no cemitério, como cada dia mais o público desses
filmes vem aumentando. E, por incrível que pareça, a maioria dos novos fãs do cinema Old School é adolescente, ou seja,
tem entre 13 e 19 anos. Gente que já está de saco cheio do lixo que a mídia
atual despeja diariamente pela goela deles abaixo – e fazem muito bem. De novo:
não que o mundo atual não tenha bons artistas. Tem sim, e aos montes. O problema é que a grande, enorme, imensa
maioria deles não chega à grande mídia. Há coisas novas acontecendo, sim. Só que fora da mídia tradicional (rádio, televisão aberta e a cabo,
grandes gravadoras, cinema, etc). E muitos jovens sentem falta de material de
qualidade com que se identificar. Sente falta de artistas e comunicadores que
respeitem a inteligência deles. Além de pesquisar novidades culturais na
Internet, essa garotada vai atrás de preciosidades clássicas. Superlegal isso!
Outra coisa: não existe nada mais careta do que essa obsessão por ser moderno.
Essa coisa de querer estar sempre dentro dos modismos e fazer apenas o que os
outros fazem. Assistir apenas ao que os outros assistem, ler apenas o que os
outros leem, ouvir apenas o que os outros ouvem, e não questionar nada. Longe
de abrir a sua cabeça, esse tipo de comportamento (juro por Deus!) só torna
você alguém com uma visão limitada do mundo. Afinal, quanto mais obras de arte
você conhecer, mais cultura vai ter; e quanto mais cultura você tiver, mais
aberta é a sua mente.
Portanto, não caia na besteira de se
envergonhar de ter gostos diferentes dos do seu grupo. Isso não é defeito, é
qualidade.
Pode acreditar.
FONTE ILUSTRAÇÕES
https://stock-clip.com/video-footage/end+credits/4