Este texto deveria ter sido
publicado em outubro de 2018, por ocasião do centenário do nascimento de Rita
Hayworth. Porém, naquela época eu tinha dado um tempo da blogosfera e estava
afastada. Agora que eu retomei o blog, tirei o texto da gaveta e, feitas as
devidas correções de datas, aqui está ele publicado, atendendo a pedidos.
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No último dia 17 de outubro, um dos meus ídolos, a
atriz Rita Hayworth (1918-1987)
teria completado 102 anos se tivesse viva. A data foi (graças a Deus!) muito
lembrada lá fora, mas passou praticamente despercebida aqui no Brasil. Isso é uma pena, pois no nosso
país, onde já há um preconceito contra qualquer produção cinematográfica feita
antes dos anos 1980, essa mulher incrível
raramente é lembrada, e quando isso acontece, na maioria das vezes uma
infinidade de bobagens é dita sobre ela, sua vida e sua obra. Raramente se fala, porém, sobre o modo como ela influenciou o público feminino tanto em termos de estilo quanto de comportamento, o que ela trouxe para as mulheres, seu jeito único de atuar, dançar, provocar os homens e, por tabela, a censura. Se você chegou
agora no meu blog e nem imagina quem seja Rita Hayworth, recomendo antes a leitura do
meu texto sobre ela (que, aliás, continua sendo o mais lido do meu blog: http://poltrona-r.blogspot.com/2017/05/rita-hayworth-1918-1987-30-anos-sem.html). Caso você já saiba quem foi Rita
Hayworth e/ou a considere uma artista fabricada e de pouca relevância histórica e artística, continue lendo este texto aqui, e veja o que nós mulheres devemos a ela. Você vai se surpreender.
O VESTIDINHO PRETO INDEFECTÍVEL
O famoso “pretinho
básico” existe desde 1926, graças à
genial estilista Coco Chanel (https://www.passaportedoluxo.com/2012/06/historia-do-vestidinho-preto-icone-fashion-criado-por-coco-chanel.html).
Mas o boom desta peça de roupa queridinha da mulherada só aconteceu em 1946, quando Rita usou seu famoso
tomara-que-caia de cetim negro no filme “Gilda”, e justamente na polêmica
cena em que ela tira sugestivamente uma luva. O modelo foi criado pelo
estilista Jean Louis, que vestiu a
Rainha da Columbia Pictures na
maioria de seus filmes. A partir daí, o vestido preto básico entrou para a
cultura pop – e para o dia-a-dia feminino.
MECHA NO CABELO
Isso mesmo. Em 1941, Helen Hunt, a cabeleireira da Columbia, teve a ideia de pintar uma
mecha loira no cabelo de Rita, como forma de suavizar a transição do cabelo da
atriz para a testa. Explico: o marido e primeiro empresário de Rita, Edward Judson, cismou que a testa dela
era pequena demais e praticamente a forçou a passar por um doloroso processo de
eletrólise para remover uma parte de seu cabelo, para que o rosto dela
parecesse maior e menos redondo. Como Rita desejava mais do que tudo ser famosa,
ela aceitou e fez esse procedimento, mas as marcas que ele deixou na testa precisavam ser
amenizadas – daí a sacada de Helen de tingir a parte da raiz do cabelo da diva,
perto do rosto, num tom de loiro-claro. Era para ser apenas uma gambiarra, algo
provisório até que a cicatriz na testa de Rita sumisse de vez. Inacreditavelmente,
as mulheres daquela época amaram a invenção de Helen e passaram a adotá-la em
seus próprios cabelos, se referindo ao estilo como “mechas de Rita”.
A RUIVICE FASHION
Falando em cabelos,
esta é outra boa história. No início de sua carreira, na década de 1930, a jovem atriz Margarita Cansino (nome de batismo de
Rita Hayworth) aceitava praticamente qualquer papel que lhe oferecessem, o que
fez dela uma espécie de musa dos filmes
B. Nessas produções baratas e rodadas em preto e branco, a garota precoce e
talentosa quase sempre interpretava os chamados personagens ‘étnicos’ (odeio
esse termo), tipo espanhola, odalisca, americana sulista (sim, porque no Sul
dos EUA a população latina é grande)
e figuras assim. A mocinha, filha de pai espanhol, não saía disso por causa do
seu visual e do seu sotaque da fronteira americano-mexicana, onde ela já morava
há anos (embora tivesse nascido em Nova
York). Mas ao contrário de muitos produtores de conteúdo, que insistem em afirmar
que Rita “se vendeu ao sistema e apagou toda a sua origem espanhola por
dinheiro e fama, entregou a alma ao diabo, etc, etc”, a futura estrela mudou o
visual e adotou artisticamente um sobrenome britânico (que, aliás, era o nome de solteira de
sua mãe, uma anglo-americana de sangue aristocrático) apenas para quebrar esse
ciclo e conseguir um número maior e mais variado de papéis. Ela emagreceu,
afinou as sobrancelhas, clareou os cabelos naturalmente castanho-escuros para
um tom de marrom claro avermelhado e mais tarde aderiu ao acajuzão de vez. E
esse tom ruivo virou praticamente um sinônimo de Rita Hayworth. Além disso, seu corte de cabelo característico, também conhecido como "Gilda" por causa do filme homônimo, é 'apenas' o penteado mais imitado da História do cinema. Sim, era verdade que Rita era uma menina
ambiciosa e que dava um valor excessivo ao sucesso, mas embora tenha alterado sua
aparência para evidenciar mais o seu lado britânico e menos a latinidade, por
dentro ela sempre foi espanhola de coração. Basta ver as inúmeras fotos dela
dançando flamenco, usando trajes típicos da Espanha e (infelizmente) frequentando touradas. Sem contar as
inúmeras entrevistas onde ela só fala de suas raízes castelhanas com
orgulho.
DONA DO PRÓPRIO NARIZ
A partir do momento em
que foi contratada pela Columbia Pictures, Rita Hayworth viveu tendo brigas
feias com seu empresário and sanguessuga Harry Cohn, o proprietário da Columbia e um dos sujeitos mais
temidos e detestados da história de Hollywood.
Não só ele tinha uma paixão doentia e não-correspondida por Rita (que, aliás, o
odiava), como embolsava boa parte dos lucros que obtinha graças a ela. Em 1946,
após o sucesso avassalador de “Gilda” no mundo inteiro, Rita exigiu que o
empresário lhe desse parte da renda da bilheteria do filme. Harry Cohn não
cedeu. No ano seguinte, recém-divorciada de Orson Welles e com a filha de
ambos, a pequena Rebecca “Becks” Welles,
para criar, Rita tomou uma iniciativa ousada: vendeu tudo o que tinha e fundou
uma pequena produtora, à qual deu o nome de The Beckworth Corporation. Era a primeira vez que uma mulher de
Hollywood montava e administrava um estúdio de cinema sozinha. A Beckworth conseguiu produzir cerca de meia dúzia de
filmes; porém, não se sustentou por muito tempo devido não só à falta de
habilidade de Rita como mulher de negócios, mas também às inúmeras complicações
da vida pessoal da artista, que consumiram boa parte dos lucros de seu estúdio.
PRIMEIRA PRINCESA
(REBELDE) DE HOLLYWOOD
Se você está adorando
as peripécias de Meghan Markle, a
esposa espevitada do Príncipe Harry da Inglaterra,
o que você vai ler agora dará um nó no seu cérebro. Em 1948, com Estados Unidos e Paquistão
se estranhando, Rita Hayworth conheceu Aly
Khan, o bonitão, charmoso e playboy herdeiro do trono paquistanês.
Um ano depois, os dois se casavam em uma cerimônia suntuosa, com a noiva já grávida,
em segredo, da futura princesinha, Yasmin.
Era a primeira vez que uma atriz de Hollywood se tornava uma princesa. O sonho,
porém, se revelou um pesadelo. Tanto nos Estados Unidos quanto no Paquistão o
público da atriz começou a boicotar os filmes dela, que resolveu sumir por um
tempo e se dedicar à filha e ao marido, antes de decidir que atitude tomar. Para
piorar, o relacionamento de Aly e Rita se tornou insuportável, pois ele, além
de traí-la, exigia que ela largasse a carreira para sempre e o obedecesse
sem questioná-lo. Isso mais a falta que ela sentia de atuar acabaram por deixar Rita
doente, física e psicologicamente. Ela pediu o divórcio, e ele, alegando que ela
não tinha condições de cuidar de Yasmin, quis tirar-lhe a guarda da filha. Numa
atitude corajosa, Rita pegou a filha e se mandou de volta para os Estados
Unidos – afinal, o que era um título de princesa para quem já carregava os de 'Rainha da Columbia Pictures' e 'Deusa do Amor'? Ao desembarcar do avião em Nova York, quando um jornalista veio
lhe encher a paciência, Rita deu um sorriso e mandou a seguinte frase: “A
primeira coisa que vou fazer (aqui nos EUA) é comer um hot dog”. Atualmente,
Meghan Markle, por ter peitado uma família real rançosa com a cara da qual eu
nunca fui, mostrou uma grande coragem, SIM. Porém, chamá-la de “nova Rita
Hayworth” é um tremendo exagero. Primeiro, porque a Rainha da Columbia viveu em
tempos muito mais difíceis do que o nosso, principalmente para a mulherada.
Segundo, porque em termos de classe, elegância e inteligência Meghan está longe de ter estofo para ser a “Rita Hayworth 2, A Missão” – mas aí também já seria pedir
demais.
BATALHA CONTRA A
CENSURA
Qualquer pessoa que já
tenha lido um pouco sobre o cinema dos anos
1930, 1940 e 1950 sabe que aqueles eram tempos em que a censura comia solta em
Hollywood. Para driblar a galera da Legião
da Decência (que eu carinhosamente chamo de Legião da Demência), os produtores,
diretores, autores e até os próprios atores tinham que ser extremamente
inteligentes e capazes de sacadas espertas. Foi nessa época que surgiu e prosperou a
geração de atrizes que ganharam o apelido de “Pin-Up Girls”, ou simplesmente “Pin-Ups” (o termo vem da expressão inglesa 'to pin up', que
significa 'pendurar'). Sim, porque elas eram adoradas pelos
soldados da Segunda Guerra Mundial,
que afixavam fotos e pôsteres delas na parede (planejo um novo texto sobre esse
tema). Embora menosprezadas pelos críticos e a intelectualidade da época, essas
moças eram artistas completas, que cantavam, dançavam e atuavam muito bem e,
além de tudo, eram bonitas e usavam o que, para os padrões da época, era
muito pouca roupa. Dentre essas divas, se destacaram Betty Grable, Ann Miller,
a jovem Lucille Ball (sim, ela foi
pin-up girl antes de ser humorista) e Ava
Gardner. Nenhuma delas, no entanto, foi tão polêmica e tão bombástica – literalmente
– quanto Rita Hayworth. Além de ter vários de seus filmes censurados, a Rainha
da Columbia foi chamada de nomes nada agradáveis pela imprensa, que a
considerava uma mulher “imoral” e um “mau exemplo”. A verdade era que Rita
estava à frente de seu tempo. Mesmo jamais tendo ficado nua em público, ela
levava ao delírio os homens de sua época, menos pelo seu figurino em filmes
como “Modelos”
e “O Coração de Uma Cidade”, e mais
pelas personagens ousadas, independentes, cínicas e sedutoras que encarnava nas telas.
Rita foi a melhor intérprete de anti-heroínas que já existiu, e seu estilo,
copiado à exaustão pelo público feminino, fez com que as mulheres se sentissem “livres” em
plena época de censura braba. Tal ousadia lhe valeu uma homenagem (que ela
detestou quando soube): sua foto foi estampada na bomba atômica jogada pelos
americanos no Atol de Bikini, no Oceano Pacífico, em 1946. Os
intelectuais fundiam a cuca para destrinchar o sucesso, para eles inexplicável, daquela mulher (como
prova a histórica matéria “O Culto da Deusa do Amor nos Estados Unidos”,
publicada na revista LIFE em 10 de novembro de 1947 https://books.google.com.br/books?id=p1EEAAAAMBAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false).
Porém, da boca da grande maioria desse pessoal só saíam abobrinhas. Coisa que, aliás, não mudou muito até nossos dias...
Embora tivesse tido de fato uma
vida amorosa triste e feito de tudo para “segurar” seus parceiros na vida real,
a artista Rita Hayworth deve ser lembrada como o que realmente foi: um
símbolo de sensualidade feminina, elegância sem vulgaridade, e resistência contra a censura. Alguém
cuja influência permanece há décadas, não só pelo carisma e talento, mas também pelo excelente trabalho que deixou. Desde os anos 50, houve inúmeras tentativas, todas furadas, de emplacar uma nova Rita Hayworth. Ela era única e seu estilo é inimitável. Por tudo isso é que eu sou tão fã dela. O resto, para mim, são polêmicas inúteis.
FONTES
https://www.vanityfair.com/hollywood/2020/09/rita-hayworth-biography-trauma
https://www.revistavanityfair.es/sociedad/articulos/boda-rita-hayworth-orson-welles/43802
https://www.revistavanityfair.es/sociedad/articulos/rita-hayworth-vestido-novia-ali-khan-jacques-fath-boda/38441
https://www.revistalofficiel.com.br/moda/10-fatos-sobre-coco-chanel
Livros:
* LEAMING, Barbara. If
This Was Hapiness – a biography of Rita Hayworth. EUA, Viking Penguin,
1989.
* MCLEAN, Adrienne L. Being
Rita Hayworth – Labor, Identity and Hollywood. EUA, Rutgers University
Press, 2004.
*disponíveis em https://archive.org/. Não publicados no Brasil.