“LOUCURA! Testes para 4 rapazes insanos entre 17 e 21 anos de idade, com coragem para trabalhar.” Esse anúncio já foi colocado em um jornal dos Estados Unidos. Fake news? Que nada, isso realmente aconteceu. Foi no ano de 1966, quando a emissora de televisão NBC procurava quatro atores, com experiência como músicos, para estrelar um seriado que parodiaria o então fenômeno mundial, os Beatles. Foi assim que outro fenômeno surgiu – os Monkees. Concebidos como uma paródia dos Fab Four (os quatro fabulosos), os Monkees ganharam o apelido de Prefab Four (os quatro pré-fabricados). Eram quatro rapazes que atuavam e cantavam, e foram recrutados por uma emissora de televisão norte-americana para interpretar os integrantes de uma banda fictícia... que acabou virando uma banda de verdade.
Tá
boiando? Beleza, vamos começar a história do começo. Em 1964, como se
sabe, os Beatles estavam bombando, e o filme “A Hard Day’s Night –
Os Reis do Ieiê”, comédia musical estrelada pela maior banda de todos
os tempos, estava estourando as bilheterias do mundo inteiro. (Link do filme em
espanhol: https://www.youtube.com/watch?v=pC78ivNiP28&list=PLKMRRSzvjjs4e1L49qohEb2JNFWfDgj-q).
Rodado em preto e branco, o clássico retratava a beatlemania no auge, com todo
o seu delírio e histeria. Por isso, acabou se tornando uma excelente maneira de
promover música, a exemplo do que Elvis Presley já andava fazendo (aliás,
neste blog já falei de um filme do Elvis https://poltrona-r.blogspot.com/2016/12/dvd-o-seresteiro-de-acapulco.html).
Bem
nessa época, o produtor norte-americano de televisão Bert Schneider viu “Os
Reis do Ieieiê” e pirou. Criar um projeto inspirado naquele filme
tornou-se uma obsessão para ele. Esse projeto foi uma série cômica sobre uma
banda de rock, e foi desenvolvido em parceria com Bob Rafelson. E é aí que
entra o anúncio bizarro que você viu no início desse texto. Ele foi publicado
em jornais de grande circulação da época, para que candidatos aos papéis dos quatro
integrantes da futura banda de mentirinha aparecessem (e um montão apareceu). As
personalidades dos 4 rapazes escolhidos tinham que ser não somente bem
diferentes uma da outra, mas atraentes e interessantes, para que cada fã
pudesse venerar o seu Monkee preferido. Talento musical era o de menos. O
nome da banda (“monkeys”, macacos em inglês, com a grafia modificada)
satirizava Beatles (mistura de “beetle”, besouro, com “beat”, ritmo,
batida). Veja um vídeo com os testes dos
caras: https://www.youtube.com/watch?v=63nhSFFFfJ4
Os
eleitos foram quatro figuraços: Davy Jones (voz e percussão), Mike
Nesmith (voz e guitarra) Micky Dolenz (voz e bateria) e Peter
Tork (baixo, teclado e voz). Mike Nesmith era um músico com
influência do country/folk music e excelente compositor; Peter Tork era
o multi-instrumentista; Micky Dolenz, o ex-garoto prodígio (quando
criança, ele havia estrelado uma série de televisão chamada "O
Menino do Circo"); e David “Davy” Jones, um inglesinho com
experiência em atuação na Broadway. Quatro moleques sem a menor noção do
que estavam fazendo, mas prontos pra embarcar em qualquer loucura. “Tínhamos
entre 19 e 21 anos na época”, Davy confessaria, décadas depois, em
uma entrevista. “Não pensávamos, apenas agíamos”.
A
estratégia de marketing para lançamento da série “The Monkees”
foi absolutamente genial. O primeiro single do grupo, “Last Train To Clarksville”,
foi para as rádios antes da estreia da série e emplacou de cara, alcançando
rapidinho o topo das paradas de sucesso, mesmo sem ninguém saber que raio de
grupo era aquele que soava quase como os Beatles de 1964 (https://www.youtube.com/watch?v=MG-DXGKDBcA).
A
curiosidade do público logo foi satisfeita com uma cacetada de materiais
promocionais que saíram nas revistas e jornais. Eram anúncios, fotos e até
artigos (pagos, é claro) apresentando a banda ao público, integrante por
integrante, e comunicando – olha que legaaaal – que eles estrelariam uma série
de comédia, que começaria a ser exibida no canal NBC no mês seguinte.
Tudo feito para que os Monkees virassem assunto nacional. E viraram. O
caminho para o sucesso da série estava aberto. Com o programa há apenas 30 dias
no ar, o álbum completo da banda, muy criativamente batizado de “The
Monkees”, tornou-se o mais vendido nos Estados Unidos. O sucesso
musical foi obviamente turbinado pela incrível audiência das aventuras televisivas
dos amalucados rapazes.
Nada
parecido tinha sido visto na TV até então. O seriado “Os Monkees”
continha muito humor físico e pastelão, e um estilo nonsense, carregado de
piadas colegiais, quase infantis. A criatividade dos roteiristas era
impressionante, e a capacidade deles de “viajar na maionese” ainda surpreende
quem assiste à série, mesmo após mais de 50 anos. Sarcasmo, situações absurdas,
metalinguagem (frases do tipo “Se liguem na ideia incrível que Micky
teve!”) e a quebra da quarta parede (cenas em que os personagens olham para
a câmera e se dirigem ao público). Era um humor inocente, sem qualquer
pretensão que não fosse provocar boas risadas nos espectadores. A trilha sonora,
toda composta por Tommy Boyce e Bobby Hart, virou cult.
Não
era muito difícil imaginar por que os Monkees viraram ídolos juvenis. Os
caras eram tão espontâneos e engraçados que o diretor da série, Jim Frawley,
passou a incentivá-los a improvisar em cena, em vez de se prenderem ao script. A
atmosfera propositalmente tosca no set de filmagem começava nos camarins, de
onde os quatro moleques já saíam fazendo palhaçadas. O efeito colateral era que
eles enlouqueciam todo o pessoal dos bastidores durante cada gravação. No
estúdio de música, porém, era necessário ter disciplina, e o produtor Don
Kirschner, que tinha fama de durão, foi recrutado para cuidar da trilha
sonora. Ele passou a ter total controle criativo – isso significava escolher as
canções, os produtores, os compositores e tudo o que envolvia a elaboração da parte
musical dos Monkees.
Havia,
entretanto, um pequeno detalhe: desde o início os Monkees eram uma legítima
banda de Taubaté. As canções deles eram interpretadas por músicos de estúdio e
eles não tocavam nem cantavam nada, apenas fingiam fazê-lo. Além de odiar o fato
de que suas músicas não eram gravadas por eles próprios, os Monkees
odiavam o repertório. Para piorar, nenhum dos quatro integrantes tinha
autorização para saber quem eram os artistas de estúdio que faziam o som que
eles apenas fingiam cantar e tocar.
No
geral, o público dos Monkees era sub-14, uma molecada que não estava
pronta para álbuns como “Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band” dos Beatles
ou “Pet Sounds” dos Beach Boys. Em 1967, aconteceu algo
inimaginável: os Monkees venderam 35 milhões de discos só naquele ano,
superando os Rolling Stones e até os próprios Beatles. Porém,
vender tanto disco não fazia dos Monkees uma banda de verdade, se é que
vocês me entendem. Eles apenas faziam o papel de uma banda na TV. O problema é
que o público, como se sabe, não é exatamente bom em distinguir entre a
fantasia que vê na telinha e a vida real.
Tanto
é que chegou um ponto em que a linha entre ficção e realidade foi praticamente
apagada, e Mick, Davy, Michael e Peter decidiram
que virariam um grupo musical de verdade. Para isso, eles passariam a gravar eles
mesmos as suas músicas, e cairiam na estrada fazendo shows. Porém, por questões
contratuais, eles não puderam colocar esse plano em prática.
Isso
gerou revolta da banda contra o empresário Don Kirschner. Bob
Rafelson e Bert Schneider tomaram as dores dos rapazes e permitiram
que, aos poucos, os Monkees fossem introduzindo participações de verdade
em seus próprios álbuns. A esta altura, a monkeemania (que, tá certo, não era
nenhuma beatlemania, até porque os Monkees estavam longe de ser os Beatles)
já tinha tomado conta dos States. Kirschner contratou o então
desconhecido letrista Neil Diamond, que fez para eles “I’m a
Believer”, canção que acabou se tornando o maior sucesso da banda (e que a
galera mais jovem conheceu na trilha da série de animação “Shrek”,
campeã de bilheteria (https://www.youtube.com/watch?v=a3bI7kbVBwM).
Foi a
deixa que faltava para a monkeemania explodir, desta vez no resto do mundo. Os Monkees
emplacaram dois discos na lista dos mais vendidos – um no primeiro
lugar, outro no segundo. Detalhe: um deles tinha sido lançado sem que a própria
banda tivesse sido avisada. Foi então que os quatro macaquinhos resolveram finalmente
colocar o pé na estrada e tocar de verdade. Ao contrário do que eles temiam, o
sucesso foi enorme, o que fez com que a autoconfiança deles como músicos
crescesse. Desnecessário dizer que Kirschner surtou. O empresário queria
porque queria ter o controle total sobre os jovens astros. E isso significava
manter a farsa. Afinal, a música era o mais importante na série.
Resultado:
Don Kirschner colocou os Monkees no pau! Durante uma reunião que
teve a presença do advogado de Kirschner, Herb Moelis, e que
terminou com Mike Nesmith quase socando a cara do empresário (ele
preferiu socar uma parede), ficou decidido que o contrato não seria violado.
Porém, cada monkee receberia um pagamento por direito autoral no que hoje
equivaleria a quase dois milhões de dólares.
O
inesperado então aconteceu: por causa de um rolo envolvendo direitos autorais
com outro projeto seu, Kirschner acabou sendo demitido (enfim, a
hipocrisia!). Com o empresário de fora da jogada, Peter, Micky, Davy
e Mike enfim puderam assumir as rédeas da própria carreira, ainda mais porque a produção da série televisiva logo seria encerrada e eles teriam mais tempo de sobra.
Acontece
que, como músicos, os Monkees verdadeiros não chegavam aos pés dos
artistas de estúdio que antigamente gravavam as canções do grupo. Por esse
motivo, os quatro demoravam mais do que o normal para gravar cada faixa. O mais
grave, entretanto, nem era isso. Sem contar com a máquina marketeira de Kirschner
por trás da banda, os Monkees não conseguiam emplacar mais hits.
Consequentemente, a audiência da série despencou.
Os
louros da fama ainda não haviam murchado de vez. Em 1967, quando os Monkees
foram para Londres para participar de um show de TV, rolou algo surreal:
eles foram recebidos por ninguém menos que Paul, John, George
e Ringo – os Beatles de verdade! O encontro do grupo americano
com seus ídolos e inspiradores ingleses dominou a mídia britânica e foi assunto
mundial. Os Beatles chegaram a dar uma festa para os Monkees.
Sério, eu não consigo imaginar uma honra maior para alguém, ainda mais para
quatro moleques americanos que, como músicos, ainda eram meia-boca. Sim, porque
eles soavam como uma banda de garagem engraçadinha, mas musicalmente não tinham
nada a ver com o som que dublavam na série.
Por
mais oba-oba que o encontro dos Beatles com os Monkees tenha
gerado, não foi um empecilho para que o grupo americano começasse a perder o
controle da situação. O quarto álbum dos Monkees apenas macaqueava (com
e sem trocadilho!) o estilo que Kirschner havia cuidadosamente
elaborado. Apesar disso, ou talvez por causa disso, foi o quarto álbum que o
grupo cravou seguidamente no topo das paradas de sucessos. Na série de TV, o
humor interno se tornou mais frequente e o escracho que existia desde o
primeiro episódio da primeira temporada rolou ainda mais solto. E os hits lançados
na trilha sonora continuavam emplacando mundo afora.
Só que
nem tudo era essa maravilha. Os quatro rapazes começavam a sentir que a banda
não iria durar por mais tanto tempo. Sentiam que era o começo do fim.
Não
para Bob Rafelson e Bert Schneider, que decidiram enriquecer o
currículo dos caras, colocando-os para estrelar o primeiro longa-metragem
deles. “Head – Os Monkees Estão Soltos”
saiu em 1968, cinco meses antes do cancelamento da série. “Head”
unia o humor negro à psicodelia, com uma pitada de crítica política. Era
dirigido pelo próprio Rafelson e tinha como roteirista um jovem ator ainda
desconhecido, um tal de... Jack Nicholson (não, não é zoeira).
Inclusive, o próprio Jack faz uma participação vapt-vupt no filme. Pra
quem está com o inglês afiado, eis o link desta pérola trash-pop-cinematográfica
completa: https://www.youtube.com/watch?v=Q4nT-5DyjX0
Infelizmente, não encontrei em português. Mas só pelo trailer, já se pode ter
uma ideia do nível de xaropice da coisa:
“Head
– Os Monkees Estão Soltos” era um tanto à frente do seu
tempo, e por isso, fracassou colossalmente nas bilheterias. Os álbuns dos
macaquinhos estavam despencando nas paradas, pois não havia mais o seriado para
divulgar as canções. Como se fosse pouco, Schneider e Rafelson
haviam ganhado muito dinheiro com os Monkees, e usaram essa grana para
fazer o icônico “Easy Rider”, o filme favorito dos motoqueiros e
aventureiros até hoje. (Olha o trailer: https://www.youtube.com/watch?v=GwST6mpT7Ds&t=26s)
E deixou os Monkees com uma mão na frente, outra atrás. Entretanto, este
não era o único problema que Davy, Micky, Peter e Mike
estavam tendo que encarar. Tretinhas por causa de ego e de grana, estresse, desejo
de abandonar o grupo e para fazer cada um seu próprio trabalho, e pura e
simples falta de saco levaram os Monkees a se separar.
O fim da
banda levou os quatro integrantes à depressão, pois, separados, nenhum deles
sabia direito quem era. “Não havia o que fazer nem para onde ir”, chegou
a dizer Davy, em uma entrevista. Dos quatro, Peter foi o que mais
se deu mal: ficou sem um tostão, foi abandonado pela namorada (mãe de sua filha)
e chegou a ser preso com drogas.
Durante os anos 70, os rapazes realmente seguiram a carreira solo, como desejavam – todos no ramo da música. Apenas Micky, o mais experiente na profissão de ator, continuou representando.
Mas
esperem... A história ainda não terminou! Nos anos 80 rolou uma
nostalgia dos anos dourados e uma vontade de ouvir e dançar o rockzinho antigo.
Davy, Micky, Peter e Mike viram a bola quicando na
frente do gol e chutaram: em 1986 eles se reuniram novamente e montaram
uma turnê que relembrava seus hits dos tempos de glória. Foi um sucesso. Depois
disso, Mike herdou uma fortuna de sua mãe (a inventora do corretor
líquido, o famoso “branquinho”) e abandonou o grupo para investir na produção
de videoclipes.
Como a
praga dos remakes pega quase todo mundo, ela também não poupou os nossos
macaquinhos: em 1987 foi lançada uma nova versão do seriado, chamada “The
New Monkees”. Trazendo Jared Chandler, Dino Kovas, Marty
Ross e Larry Saltis nos papéis dos integrantes da banda, a série (adivinhem!)
flopou: foi cancelada depois de apenas 13 episódios terem ido ao ar.
Infelizmente,
nunca mais veremos a macacada reunida no palco novamente. Peter e Davy
já não estão mais entre nós. Micky continua cantando e atuando, especialmente
em musicais da Broadway. Mike virou apresentador de TV, escritor
e produtor. Graças a Deus ainda temos a Internet, e quem era
monkeemaníaco nos anos 60 pode relembrar os episódios. E não é só isso: ver
a novíssima geração de fãs de música redescobrindo os Monkees é
realmente uma delícia.
FONTES
https://en.wikipedia.org/wiki/The_Monkees
https://www.monkeeslivealmanac.com/blog/category/saturday%20afternoon%20repeats
https://13thdimension.com/daydream-believing-the-hidden-history-of-the-monkees-in-comics/
https://ambrosia.com.br/musica/monkees-lancam-disco-ao-vivo-e-revivem-a-magia-dos-anos-60/
https://veja.abril.com.br/blog/temporadas/por-onde-andam-os-monkees/
Documentário MONKEES BEHIND THE MUSIC (inglês, sem legendas):