Todo mundo
sabe que eu sou tradutora inglês-português. Não fiz faculdade de letras, mas
tenho dois diplomas da Cultura Inglesa
e essa acabou sendo a minha profissão. Na verdade, esse caminho foi algo
natural, porque sempre gostei de inglês, e boa parte desse gosto se deve às
músicas e aos filmes. Já traduzi filmes para legendagem e dublagem (como “A
Musa”, com Sharon Stone) e
posso dizer que tenho alguma experiência nesse assunto. Por que estou dizendo
isso? Bem, porque o tema desta matéria são os inúmeros títulos, vamos dizer
assim, estranhos, que alguns clássicos do cinema receberam no Brasil.
Ainda hoje é
comum produções cinematográficas estrangeiras ganharem nomes sem noção no nosso
país, mas em outros tempos, em especial as décadas
de 1930, 1940 e 1950, acreditava-se que rebatizar filmes com títulos
exageradamente dramáticos (alguns até extrapolando a linha do ridículo) era uma
forma de deixar o público curioso sobre o enredo e, assim, fazer com que mais
gente fosse aos cinemas para assistir. Dá pra imaginar, por exemplo, um filme
chamado “Beijou-me Um Bandido”? Assim mesmo, nessa ordem poeticamente invertida?
Pois é assim que se chama no Brasil “The
Kissing Bandit”, musical de 1948
com Frank Sinatra no papel
principal. O título original, traduzido, ficaria algo como “O bandido beijoqueiro”, bem mais a ver com o estilo do filme, que
é uma comédia.
Outro clássico
estrelado por Sinatra teve seu título traduzido de maneira ridícula no Brasil: “Some Came Running” (Alguns Vieram Correndo) pode não ser
exatamente um nome bacana para um filme – na verdade, é uma referência às duas
pessoas que escaparam da morte em um acidente que acontece logo no começo da
história. Mas em português, o filme foi rebatizado de forma ainda pior: “Deus
Sabe O Quanto Amei”. Tenha dó!
Sabem, esse
negócio de usar palavras em inglês desnecessariamente porque “não existe
tradução em português para este termo” me irrita muito. Nossa língua é uma das
mais ricas do mundo, e posso dizer que quase tudo tem tradução para o
português, é só as pessoas não terem preguiça. Mas, como eu disse, é quase tudo – nem sempre é possível
traduzir um título em português de uma forma que ele faça sentido para os
brasileiros.
Um bom
exemplo é o nome original do filme “Bonequinha de Luxo”, “Breakfast At Tiffany’s”. Naquela época (1961), a imensa maioria dos
brasileiros não fazia a menor idéia do que era a Tiffany’s, a famosa e tradicional joalheria de Nova York, fundada em 1837
e que é praticamente uma instituição nos Estados
Unidos. Então, um filme chamado “Café
da Manhã na Tiffany’s” causaria estranhamento. Então, o clássico foi
rebatizado no nosso idioma com a expressão “bonequinha
de luxo”. Aí sim!
Falando em
bonequinha, não podemos esquecer “Boneca de Carne” (1956). O filme em
inglês se chama “Baby Doll”, que não
apenas significa algo como “boneca bebê” ou, nesse caso, “bonequinha”, como
também é um modelo de camisola curta (como a mulherada leitora sabe muito bem).
Acontece que o clássico de Tennessee
Williams levado às telas conta a história de uma mulher sedutora que é
pouco mais que uma adolescente (tem 19 anos) e é semelhante à personagem Lolita, de Nabokov (https://pt.wikipedia.org/wiki/Lolita), então o título é um
trocadilho, que mistura as idéias de bonequinha e camisola sexy, justamente
para passar a idéia de ingenuidade + sensualidade – bem sacado, para dizer o
mínimo. Concordo que trocadilhos nem sempre são traduzíveis, mas “Boneca
de Carne” é um título de lascar.
“Boneca de
Carne”, aliás, foi dirigido por Elia
Kazan, o mesmo diretor de “Um Bonde Chamado Desejo”, outro
clássico inspirado em uma obra de Tennessee Williams. Lembrei disso porque “Um Bonde Chamado Desejo”
é, como se diz, ‘às vezes referido como’ “Uma Rua Chamada Pecado”. Alguém me
explica qual a razão de rebatizar uma obra cujo nome original já era conhecido
e faz sentido em português com um nome parecido com o original, mas não tão
interessante? Sei lá, talvez “Uma Rua Chamada Pecado” tivesse
mais apelo para o público naqueles tempos. Em 1951, quando o filme foi lançado, a Legião da Demência, quero
dizer, Legião da Decência deixou os
produtores loucos, fazendo com que várias cenas fossem cortadas ou refeitas.
Mesmo assim, vista hoje, 66 anos depois, a provocante relação de amor e ódio,
paixão e melancolia, entre Blanche Dubois
(Vivien Leigh) e Stanley Kowalski (Marlon Brando) ainda mexe com o público – e isso sem ninguém
precisar tirar a roupa...
Amantes da Sessão da Tarde Que Prestava (https://poltrona-r.blogspot.com.br/2015/12/a-sessao-da-tarde-que-prestava.html?showComment=1504623498190#c4072276587714698237) devem
se lembrar de um filme chamado “Cupido Não Tem Bandeira”. O título
original era “One, Two, Three” (que
significa ‘Um, dois, três’). Pô, qual o problema do filme se chamar “Um, dois, três”, mesmo, no Brasil? Está
certo que é uma comédia (de Billy Wilder,
aliás) que brinca com a rixa entre comunistas e capitalistas; mesmo assim, acho
que talvez o título “Um, dois, três”
despertasse mais a curiosidade do público do que essa bobagem em português.
Outro título
infeliz, pelo menos na minha opinião, é “Meu Pecado Foi Nascer”. Caramba,
nem novela mexicana e argentina
exibida pelo SBT tem um nome desses!
Estrelada por Clark Gable (o eterno Capitão Butler de “E O Vento Levou”), Yvonne De Carlo (que, fisicamente, deve
ser o elo perdido entre Vivien Leigh e Rita
Hayworth) e o maravilhoso Sidney
Poitier (de “Ao Mestre Com Carinho”), a produção de 1957 conta a história de amor entre uma escrava branca e seu senhor
na época da Guerra Civil Americana.
O enredo do filme tem algo de novelão, mas, gente, não é para tanto, vai?
“Vertigo”, em inglês,
é, literalmente, “vertigem”. E não é
só o nome de uma música do U2 (https://www.youtube.com/watch?v=98W9QuMq-2k).
É também o título original do clássico de Alfred
Hitchcock, “Um Corpo Que Cai” (1958). E falando em música, “Assim
Caminha A Humanidade”, hit do Lulu
Santos (https://www.youtube.com/watch?v=8JKxOBUA3cY) e título em português do filme de 1956, estrelado por James
Dean e Elizabeth Taylor.
Detalhe: o título original do filme é “Giant”,
“Gigante” em inglês. Eu pergunto:
não dava para traduzir os nomes desses filmes como “Vertigem” e “Gigante”,
mesmo? Qual a necessidade de inventar moda?
Mais uma
coisa: eu sempre quis saber por que um filme que, no original, se chama “O Som da Música” (“The Sound Of Music”), virou “A Noviça Rebelde” no Brasil. Será
que só eu acho “O Som da Música” mais legal? Desconfio que o título em
português foi dado porque as pessoas ficariam imaginando o que uma noviça
rebelde seria capaz de fazer, e isso atrairia gente aos cinemas, curiosa para
descobrir. O mesmo aconteceu com "The Glass Bottom Boat" ("O Barco de Casco de Vidro"), que no Brasil virou "A Espiã de Calcinhas de Renda". Mas “A Noviça Rebelde” é um filme familiar, não tem nada daquilo
que esse público poderia pensar. E "A Espiã de Calcinhas de Renda" é uma das muitas comédias românticas bobinhas que Doris Day fez em sua carreira. Propaganda enganosa!!!
Outro título
de filme em português que merece o Troféu
Vergonha Alheia para o tradutor é “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, de
Woody Allen. O clássico que marcou
época e ditou moda no final dos anos 70
e começo dos anos 80 se chama, em inglês, “Annie Hall”, que é como se chama também a personagem de Diane Keaton. Tem gente que odeia tanto
o título nacional desse filme que se refere a ele como “Annie Hall”, mesmo.
Pra encerrar,
eu não poderia deixar de mencionar aquele que, para muitos fãs, é o pior título
em português de filme clássico da História: “Os Brutos Também Amam”.
Além de ser desnecessariamente exagerado, o título em português desse filme
(cuja resenha eu já fiz em http://poltrona-r.blogspot.com.br/2017/04/dvd-os-brutos-tambem-amam.html)
distorce tudo. Não se trata exatamente de uma história de amor, e sim de um
faroeste dramático. “Shane”, que é
como o clássico western se chama em inglês, é apenas o nome do personagem principal,
vivido pelo meu xará de aniversário, Alan
Ladd. Está certo que Shane é um nome que soa meio esquisito aos ouvidos dos
brasileiros, especialmente naquela época. Mas o tradutor podia ter pegado mais
leve, eu acho.
Com a
globalização, casos assim têm se tornado cada vez mais raros. A moda agora é não traduzir os títulos. Não acho legal
deixar o título original quando é possível encontrar uma tradução bacana e que
seja próxima do significado do título em inglês. “Giant”, por exemplo, podia ter virado “Os Gigantes”, mas é provável que, nos dias de hoje, se chamasse “Giant” mesmo – assim, sem tradução. Se
tivessem sido lançados no século 21,
“Um
Corpo Que Cai” se chamaria “Vertigo”,“Os
Brutos Também Amam” se chamaria “Shane”,
e assim por diante. Menos mau. Bem menos mau.
FONTES
http://loremholly.blogspot.com.br/2013/
http://50anosdefilmes.com.br/2014/a-espia-de-calcinhas-de-renda-the-glass-bottom-boat/
http://50anosdefilmes.com.br/2014/a-espia-de-calcinhas-de-renda-the-glass-bottom-boat/
Sou de opinião de que se deve procurar na escolha de um título em português para filmes estangeiros um equivalente o mais próximo possível do original. Para "Breakfast at Tiffany's", um título comercial e minimamente fiel ao original poderia ser "Café da manhã com diamantes".
ResponderExcluirVerdade! Bem melhor!
ExcluirAbçs
Há tradução ,e há versão.Aquela coisa de ''versão brasileira''....Há títulos em Portugal que são de pior 'versão' ainda.Quase 'spoiler'...
ResponderExcluirVerdade. O de "Psicose" eu não vou falar porque aqui não se dá spoiler, mas pesquise. É inacreditável!
ExcluirGostou desse texto.
Por favor, me ajude divulgando e compartilhando.
Abçs