terça-feira, 28 de agosto de 2018

ABBA E AUSTRÁLIA – A HISTÓRIA DE UM CASO DE AMOR (OU COMO A AUSTRÁLIA SALVOU A CARREIRA DO ABBA)



Você já deve ter visto o documentário “Abba – The Movie”, ou pelo menos ouvido falar dele (não achei inteiro, mas dá pra ver algumas partes no link que está no final desta matéria). O filme, dirigido pelo hoje celebrado cineasta Lasse Hallstrom (o mesmo que criou quase todos os clipes do Abba), é um retrato da turnê que a banda mais famosa da Suécia realizou na Austrália, em 1977. Minha ideia inicial foi escrever sobre “Abba – The Movie”, mas acabei desistindo, simplesmente porque qualquer (mas qualquer mesmo) resenha que eu escrever sobre este clássico do cinema trash-musical será um bruta de um spoiler. Resolvi, então, contar a história por trás do filme. Melhor ainda, a história de como a adoração dos australianos pelo Abba salvou o quarteto sueco do esquecimento logo no começo da carreira. Leiam, porque – modéstia à parte – vale a pena.




        Naquele ano de 1977, como se pode ver no filme, o Abba desembarcou com toda a pompa e circunstância que merecia na terra dos cangurus. E o que os noticiários e o próprio filme retratam não tem nada de fake – é totalmente real. Aeroportos cheios de gente, ruas lotadas, jovens acampando nas calçadas e na frente do hotel onde a banda estava, fã-clubes uniformizados com pessoas de 8 a 80 anos, choros, chiliques, gritaria, desmaios dos admiradores mais insensatos... Enfim, cenas de beatlemania – ou, pelo menos, de menudomania. E em todos os lugares se ouvia pessoas de todas as idades berrando a plenos pulmões: “We want Abba!” (Queremos Abba!).




        Na época, o grupo já estava mais do que estourado na Austrália, que, aliás, foi o primeiro país onde o Abba virou febre. É inacreditável, mas é verdade. Tudo começou em 1974, quando o Abba representou a Suécia com a canção “Waterloo” e ganhou o primeiro lugar no Eurovision, um festival que existe desde 1956 e que serve como vitrine para revelar novos talentos da música européia. O guitarrista (e lider) Bjorn Ulvaeus, o tecladista Benny Andersson e as cantoras Agnetha Faltskog (loira) e Anni-Frid Lyngstad (morena, que depois tingiu de acaju) haviam se unido um ano antes e formado o Abba, uma banda pop sem nenhuma pretensão além de fazer músicas simples e dançantes. O nome do grupo era a junção das iniciais dos nomes dos seus quatro integrantes. “Waterloo” explodiu nas rádios da Europa e dos Estados Unidos, mas depois dessa música o Abba não estava conseguindo emplacar mais nenhum single. A BBC de Londres, inclusive, chegou ao cúmulo de se recusar a tocar outras canções do grupo, por considerá-las ruins demais. E não foi só: a turnê mundial do Abba foi um fracasso, e o quarteto precisou cancelar vários shows por falta de demanda. A alegria dos quatro talentosos suecos parecia destinada a durar pouco...




       Até que... Tchanananammmmm! Um apresentador de TV, jornalista e produtor australiano chamado Ian “Molly” Meldrum (esse cara da foto aí embaixo) , que estava sempre em busca de material novo e com potencial de sucesso para apresentar em seu programa de música pop “Countdown”, voltado principalmente ao público teen e pré-adolescente, assistiu aos videoclipes de “Ring Ring”, “S.O.S.”, “Bang A Boomerang”, “I do, I do, I do, I do” e “Mamma Mia” do Abba, enviados pela gravadora do grupo, a RCA, em um rolo de filme. Meldrum ficou maluco. Era o ano de 1975. Bem nessa época, a TV a cores chegava à Austrália, e a emissora Australian Broadcasting Corporation (ABC) havia decidido que o “Countdown”, que era uma das suas atrações mais populares, seria um programa colorido. E como Abba era (e ainda é) sinônimo de cor e brilho, o delírio foi ainda maior: Meldrum se encantou com a fotografia dos vídeos, dirigidos pelo então desconhecido e hoje adorado Lasse Hallstrom. Eram clipes baratos, mas com imagens que misturavam o clima onírico dos anos 70 com efeitos, movimentos de câmera e tomadas bastante avançados para a época. Tudo transbordando cor e brilho, perfeito para a estréia da nova fase do “Countdown”. Aleatoriamente, Meldrum optou por exibir no programa o clipe de “I do, I do, I do, I do”. Não deu outra: puxada pelo sucesso do clipe bizarro e fascinante (https://www.youtube.com/watch?v=tW3HN_pvbE4), “I do, I do, I do, I do” bombou nas paradas australianas, chegando ao número 1, e em seguida foi lançada na Nova Zelândia, onde também atingiu o primeiro lugar. Mas em nenhum outro lugar do mundo a canção emplacou.




               Então Molly Meldrum resolveu lançar no programa o clipe de “Mamma Mia”, que, assim como a própria canção, era ainda mais louco e divertido. O figurino da banda, com muito brilho, sapatos plataforma, plumas e lycra, chocou o público inicialmente, e as sobreposições de imagens, bem viajandonas, causaram um impacto jamais visto. Mas “Mamma Mia” acabou ganhando os espectadores do “Countdown” – principalmente por causa do seu refrão, irresistivelmente pegajoso. Isso levou a RCA e lançar, às pressas, o single da faixa na Austrália. As vendas foram astronômicas, e a gravadora viu que valia a pena acreditar novamente no Abba. “Mamma Mia” foi lançada mundialmente e virou hit nos quatro cantos da Terra.

             A partir daí, seguiu-se uma saraivada de hits nas paradas mundiais, principalmente nas paradas australianas. A abbamania começava a se alastrar pelo planeta. Para terror dos fãs de rock pesado, o quarteto sueco emplacou single atrás de single, a maioria deles puxados pelos hoje clássicos videoclipes, todos seguindo a receita infalível de sucesso: imagens ora sobrepostas, ora fundidas, ora em caleidoscópio, ora tudo isso junto, aquele pisca-pisca de luzes que quase cegam o espectador, jogos de espelhos, closes bizarros e, claro, as inconfundíveis dancinhas. Era kitsch? Siiimmmm!!! Era brega? Siiimmmm!!! Era exagerado? Siiimmmm!!! Mas, me diga, o que não era kitsch, brega e exagerado nos anos 70? “Se os clipes que eu criei para o Abba foram exagerados, artificiais, ridículos e de mau gosto, naquela época eu nem reparei”, brinca Hallstrom hoje.




        Em 1976 explodiu o maior sucesso do Abba: “Dancing Queen”, que era a faixa de trabalho do álbum “Arrival”. Consagradas como sex symbols e divas pop, Agnetha e Frida passaram a ditar moda. Tudo o que as duas musas do Abba usavam virava febre entre a mulherada. Junte-se a isso o fato de que a banda vinha de um país que na época tinha poucos artistas pop conhecidos no resto do mundo, o que criava um apelo ainda maior. Nem mesmo os integrantes do Abba imaginavam todo esse sucesso. Malandrão, o australiano Reg Grundy, produtor de TV e homem de negócios, assinou um contrato de exclusividade para que apenas a sua emissora, o TCN-9, pudesse exibir material ligado ao quarteto sueco. Mas o cara foi além: ele comprou os direitos da marca “Abba” na Austrália e os licenciou para que todo tipo de bugiganga fosse fabricado com o nome e a figura (às vezes até mal desenhada) do grupo. E as empresas antenadas deitaram e rolaram: comercializaram camisetas, moletons, canecas, sacolas, álbuns, revistas, roupas de cama, chicletes, uma infinidade de produtos da nova “grife”. Até bonecos tipo Barbie e Ken de Agnetha, Bjorn, Benny e Anni-Frid os fãs puderam comprar – com direito a cartelas de roupinhas (vendidas separadamente) para trocar!!!







       Também em 1976, o Abba pisou na Austrália pela primeira vez. Foi recebido com uma euforia e um carinho inesperados e inacreditáveis. A turnê incluía não apenas shows, mas também a gravação de um especial de televisão – para a TCN-9, é claro. 




              Obviamente, tudo o que é demais enjoa. E depois de tanto sucesso, os discos do Abba começaram a encalhar nas lojas. E isso a partir de 1979, ou seja, antes da dissolução do grupo, em 1983. A partir daí, o Abba caiu numa espécie de limbo, que durou todo o resto da década de 1980. Com exceção dos gays, que nunca deixaram de amar a banda, os australianos ficaram literalmente de saco cheio e sem poder nem ouvir falar nela. Os poucos que ainda curtiam o quarteto sueco escondiam sua adoração para não ser ridicularizados.

         Sóóóóó lá no início dos anos 90 o Abba foi ter seu talento e sua qualidade reconhecidos. Primeiro, tendo músicas incluídas nas trilhas sonoras de filmes de sucesso, como “O Casamento de Muriel” (https://www.youtube.com/watch?v=3U4kDzwZAMk) e “Priscilla, a Rainha do Deserto” (https://www.youtube.com/watch?v=vWbaah51-Sk). E em seguida, com o lançamento, em 1992, da excelente (e hoje clássica) coletânea “Abba Gold” (https://www.youtube.com/watch?v=2ZUX3j6WLiQ&list=PLBEA362DAD76373B7), que muita gente defende ter sido o álbum mais vendido de todos os tempos em todo o mundo.




             Exagero ou não, uma nova geração de abbamaníacos nasceu, e se consolidou graças ao filme “Mamma Mia”, de 2008, dirigido por Phyllida Lloyd, estrelado por Meryl Streep e todo baseado em canções do Abba. É um musical que já nasceu clássico – afinal, não há quem não tenha vontade de levantar da cadeira, seja no sofá de casa, seja no cinema, para dançar e cantar junto (https://www.youtube.com/watch?v=Zi7OXmTmgGg&list=PL1617336F94BD4D37&index=12). E este ano, foi lançado um “Mamma Mia 2”, continuação da produção de 2008, com Cher no elenco (https://www.youtube.com/watch?v=pM4Ou4T3s_I). E no início deste ano, os quatro integrantes da banda nos surpreenderam anunciando, provavelmente para dezembro, o lançamento de um single inédito (hummm, isso daria um bom assunto para outro texto...).

          Pegue tudo isso e acrescente os milhões de memes que são produzidos diariamente mundo afora tendo como temas os quatro suecos, suas músicas, suas coreografias e seu figurino. Sem mencionarmos a quantidade de bandas cover que proliferam pelo planeta. A nós, os fãs, não importa de qual geração sejam, só resta agradecer a Agnetha, Bjorn, Benny e Anni-Frid pela sua música. Valeu, Abba! #ThankYouForTheMusic #Forever






Link para trechos do documentário "Abba - The Movie":
https://www.youtube.com/watch?v=OhSlU2wyE2s&index=6&list=PLAA4D1326FF2E8EC3


FONTES