quinta-feira, 24 de setembro de 2020

DVD – A CONDESSA DESCALÇA


The Barefoot Contessa

Ano de produção:1959

Direção: Joseph L. Mankiewicz

Elenco: Ava Gardner, Humphrey Bogart, Edmond O’Brien, Marius Goring.

Duração: 130 minutos

Colorido

Gravadora: MGM



 

Marcando a minha retomada deste blog após um longo e tenebroso inverno, uma resenha da versão em DVD deste filme-bomba de 1954, que muitos dizem ter sido inspirado na vida de Rita Hayworth (http://poltrona-r.blogspot.com/2017/05/rita-hayworth-1918-1987-30-anos-sem.html). Dizem até que o papel principal teria sido oferecido à própria Rita, que (por motivos no mínimo óbvios) teria recusado. O roteiro foi escrito pelo próprio diretor, criador de outras pérolas igualmente polêmicas, como “A Malvada” (http://poltrona-r.blogspot.com/2017/04/dvd-malvada.html) e “De Repente, No Último Verão” (http://poltrona-r.blogspot.com/2017/07/dvd-de-repente-no-ultimo-verao.html), ambos já resenhados neste blog. As semelhanças do enredo com a trajetória de Rita Hayworth não são poucas: dançarina espanhola de incrível beleza e talento é descoberta por um diretor de cinema e levada para Hollywood, faz sucesso estrondoso nas telas do mundo inteiro, mas não consegue encontrar o amor na vida real. Como é característica da obra de Mankiewicz, o roteiro pinga veneno – neste filme, contudo, o veneno é elevado à categoria master. É tanto sarcasmo que o espectador mal consegue piscar entre uma frase ferina e outra. Logo na primeira cena, Humphrey Bogart, na pele do cineasta e escritor Harry Dawes, já manda essa: “Eu sou do tempo em que os filmes tinham só duas dimensões, ou mesmo uma dimensão só” (sim, porque nos anos 50 os estúdios começavam a lançar algumas produções em 3D de forma experimental). A trama, aliás, começa praticamente do final, durante o enterro da estrela internacional Maria D’Amata (Ava Gardner, no papel que fez sua carreira decolar), que nasceu Maria Vargas, numa família humilde da Espanha, e até ser encontrada por um olheiro americano, ganha a vida dançando flamenco em uma birosca da sua terra natal. A cena que mostra a origem de Maria tem um início extremamente bem sacado: da bailarina só se vê as mãos, enquanto a câmera passeia pelo estabelecimento mostrando as reações dos frequentadores à apresentação da moça. A primeira aparição de Maria em cena já a mostra como a mulher linda, geniosa e indomável que ela é, e os pés descalços da personagem surgem nesta mesma cena, antes mesmo que ela mostre o rosto, e aparecem mais vezes ao longo do filme como um símbolo da natureza selvagem, porém vulnerável, da dançarina. A partir daí, a vida de Maria é contada sob vários pontos de vista diferentes, todos de homens que a conheceram: o próprio Dawes, o tosco e dissimulado executivo Oscar Muldoon (Edmond O’Brien), e o conde italiano Vincenzo Torlato-Favrini (Rossano Brazzi, ótimo), que se casou com Maria por causa da fama e da beleza dela, pois ele próprio é um zero à esquerda – em todos os sentidos. A direção é impecável, como seria de se esperar de um trabalho de Mankiewicz. Há quem até hoje critique a escolha do elenco, mas eu discordo. Humphrey Bogart não demonstra o mesmo pique de “Casablanca” e “Sabrina” (http://poltrona-r.blogspot.com/2017/06/dvd-sabrina.html), mas está perfeito no papel e é a cara do cinismo do filme. Ava Gardner é a própria Maria Vargas, eu não consigo imaginar mais ninguém no papel. Até mesmo Marius Goring, que vive o latino-americano mauriçola Alberto Bravano em uma atuação em atuação tão caricata que chega a lembrar Desi Arnaz no seriado “I Love Lucy” (https://www.youtube.com/watch?v=n2uo1Q8F9BA), está ótimo. “A Condessa Descalça” é um programaço, uma obra de arte para curtir com olhos e ouvidos bem atentos – caso contrário, você perderá excelentes tiradas.

 


 

CURIOSIDADES

• A frase “O animal mais belo do mundo”, que aparecia nos cartazes publicitários do filme, ficou para sempre associada a Ava Gardner;

• Em “A Condessa Descalça”, Ava Gardner dançou pela primeira vez em um filme – e surpreendeu. Detalhe: a clássica cena em que ela aparece bailando em um acampamento de ciganos teve que ser gravada ao som de tambores, pois o gravador do estúdio que iria tocar a música pifou bem antes da filmagem.

• Em uma das cenas, Harry Dawes diz em tom pejorativo: “Você está roubando diálogos da televisão!” (sim, porque naquela época a TV estava surgindo e era uma novidade que começava a gerar concorrência com o cinema. Chegou-se até a dizer que a telinha pequena iria acabar com a telona. Para nossa alegria, isso até hoje não aconteceu!).

• O (pelo visto, extinto) site Turner Classic Movies confirmou que a trama de “A Condessa Descalça” foi, sim, inspirada no casamento de Rita Hayworth com o sheik do Paquistão, Aly Khan. Oficialmente, o que realmente se sabe é que há várias passagens da vida da própria Ava Gardner incluídas na história, como o relacionamento dela com um milionário esquisitão (o personagem do ator Warren Stevens é inspirado no magnata Howard Hughes).

O filme dividiu os críticos: alguns o consideraram cafona, grotesco e ácido demais, e outros o classificaram de inteligente e explosivo, com excelente direção e belas atuações.

“A Condessa Descalça” foi indicado ao Oscar em duas categorias: Melhor Ator Coadjuvante para Edmond O’Brien e Melhor Roteiro para Joseph L. Mankiewicz. Infelizmente, só O’Brien levou a estatueta para casa.

 

EXTRAS

Nenhum. Não há nem mesmo outra opção de áudio que não seja em inglês, o que afasta os fãs de filmes dublados. As legendas são em amarelo negritado, bem visíveis. Porém, a tradução é sofrível, com vários erros, o que não chega a tirar o prazer de ver o filme.

 

EMBALAGEM

Simples de tudo, porém com uma capa de bom gosto (que, aliás, é a mesma lançada lá fora).

 

Link do trailer:



 FONTES

https://www.imdb.com/title/tt0046754/

https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Condessa_Descal%C3%A7a

https://en.wikipedia.org/wiki/The_Barefoot_Contessa

https://en.wikipedia.org/wiki/Joseph_L._Mankiewicz

https://www.rottentomatoes.com/m/barefoot_contessa

https://www.britannica.com/topic/The-Barefoot-Contessa

https://variety.com/1953/film/reviews/the-barefoot-contessa-1200417621/

https://www.nytimes.com/1954/09/30/archives/the-screen-in-review-the-barefoot-contessa-arrives-at-capitol.html

 

 

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

AS FÁBULAS NADA TOLAS DE WALTER LANTZ

 


 Entre 1953 e 1955, o cartunista Walter Lantz, criador do Pica-Pau, desenvolveu uma série de três curta-metragens de animação para ser exibida no cinema. Eram histórias dirigidas a espectadores de todas as idades, e traziam reflexões que permanecem atuais. O nome da trilogia? “Uma Fábula Tola” (A Foolish Fable).

Na verdade, não se tratava de uma fábula, e sim de três histórias totalmente independentes, que em comum tinham apenas a lição de moral embutida. O primeiro episódio a ser lançado foi “O Rato e o Leão” (The Mouse And The Lion), em 1953. No mesmo ano saiu “A Tartaruga Voadora” (The Flying Turtle). O episódio que fecha a trilogia, Sh-h-h-h-h-h (que em inglês também se chama Sh-h-h-h-h-h) só chegou em 1955, mas Lantz possui em sua filmografia outros desenhos que despertam reflexões – só que isso já é tema para outra postagem.




“O Rato e o Leão”

O primeiro curta-metragem da trilogia “Uma Fábula Tola” recria o conto de mesmo nome atribuído a Esopo e datado do século no século VI A.C., e que muita gente com mais de 45 anos de idade conheceu através daqueles disquinhos coloridos (pra quem quer relembrar, https://www.youtube.com/watch?v=ICXvFD0Fato). Na verdade, Lantz subverte a fábula original, para colocar como principal uma das várias mensagens dela: a de que nem sempre o mais alto é o mais esperto. O Leão aqui é representado como um panaca posudo, e o Ratinho como um ser inteligente e determinado que quer caçar o Leão (!!!) e levá-lo para trabalhar em um circo (!!!). Há uma cena muito significativa: enquanto o Leão está lendo um livro chamado “Como Caçar um Rato”, o Ratinho está lendo um livro chamado “Como Caçar Um Leão”. Essa imagem cai como uma luva para os tempos atuais...



“A Tartaruga Voadora”

Este segundo filme da série de fábulas tolas foi reprisado no Brasil à exaustão pelo SBT, no começo da década de 1980. Fez parte da minha infância (e eu diria até que me traumatizou um pouco, hehehe). A história é centrada em Herman, uma tartaruga que tem uma obsessão: voar, igual aos pássaros que ela tanto admira. Para Herman, pouco importa o fato de que tartarugas não têm asas e não foram feitas para cruzar os céus. Os outros animais fazem chacota com Herman e tentam, em vão, tirar-lhe da cabeça essa ideia absurda. Ela tenta de tudo para atingir seu objetivo, e quanto mais tenta mais falha, e quanto mais falha, mais se sente diminuída e fracassada – ou seja, a coisa se transforma em um círculo vicioso. O desespero é tanto que Herman parte até para atitudes como roubar e trapacear. Mas acaba acreditando em quem não deve e... O desenho contém pelo menos duas lições preciosas: 1) insistir em um objetivo furado pode levar você à destruição; e 2) não confie nunca em quem lhe promete milagres. Aprendizado útil para as crianças, e ainda mais útil para a vida adulta.



“Sh-h-h-h-h-h”

Episódio final da série “Uma Fábula Tola”, foi também o último trabalho de Tex Avery (https://www.youtube.com/watch?v=qkTZbThfPVg) para o Walter Lantz Studio. Um músico fica estressado, à beira da loucura, e desenvolve uma ultra-sensibilidade ao som. O médico recomenda que ele passe umas férias no Hotel Mais Silencioso do Mundo, localizado nos Alpes Suíços. Lá dentro qualquer som - qualquer mesmo - é proibido. Tudo corre bem, até que um dia alguém decide infringir as normas do hotel. (Minha identificação com o sofrimento do personagem por causa de vizinhos folgados foi imediata!). Há sacadas geniais, como os créditos de abertura com música quase inaudível de tão baixa, e as plaquinhas escritas no hotel representando sons. O final é inacreditável. O desenho ensina que às vezes depositamos toda nossa confiança na pessoa errada. E que, muitas vezes reagimos de forma exagerada a certas situações, o que acaba criando problemas em dobro para nós. Nos anos 80, “Sh-h-h-h-h-h” também passou várias vezes no SBT, durante os programas infantis da emissora de Silvio Santos. Mas nunca foi tão atual quanto nos barulhentos tempos da Internet.



Embora eu tenha pesquisado, não consegui descobrir como a trilogia “Uma Fábula Tola” foi recebida em sua época. Mas fuçando em sites especializados em cinema e animação, a série recebe avaliações de 4 a 5 estrelas do público. E muitas crianças que cresceram com a obra de Walter Lantz hoje a apresentam aos seus filhos e netos, fazendo com que o sucesso perdure. Em pleno século XXI, a trilogia de Lantz continua explodindo a cabeça de muita gente – prova que, de tolas, essas fábulas não tinham nada.



FONTES

https://www.bcdb.com/cartoons/Universal_Studios/Walter_Lantz/Foolish_Fables/index.html