terça-feira, 5 de setembro de 2017

VERGONHA ALHEIA: OS PIORES TÍTULOS EM PORTUGUÊS DE FILMES CLÁSSICOS


Todo mundo sabe que eu sou tradutora inglês-português. Não fiz faculdade de letras, mas tenho dois diplomas da Cultura Inglesa e essa acabou sendo a minha profissão. Na verdade, esse caminho foi algo natural, porque sempre gostei de inglês, e boa parte desse gosto se deve às músicas e aos filmes. Já traduzi filmes para legendagem e dublagem (como “A Musa”, com Sharon Stone) e posso dizer que tenho alguma experiência nesse assunto. Por que estou dizendo isso? Bem, porque o tema desta matéria são os inúmeros títulos, vamos dizer assim, estranhos, que alguns clássicos do cinema receberam no Brasil.

Ainda hoje é comum produções cinematográficas estrangeiras ganharem nomes sem noção no nosso país, mas em outros tempos, em especial as décadas de 1930, 1940 e 1950, acreditava-se que rebatizar filmes com títulos exageradamente dramáticos (alguns até extrapolando a linha do ridículo) era uma forma de deixar o público curioso sobre o enredo e, assim, fazer com que mais gente fosse aos cinemas para assistir. Dá pra imaginar, por exemplo, um filme chamado “Beijou-me Um Bandido”? Assim mesmo, nessa ordem poeticamente invertida? Pois é assim que se chama no Brasil “The Kissing Bandit”, musical de 1948 com Frank Sinatra no papel principal. O título original, traduzido, ficaria algo como “O bandido beijoqueiro”, bem mais a ver com o estilo do filme, que é uma comédia.





Outro clássico estrelado por Sinatra teve seu título traduzido de maneira ridícula no Brasil: “Some Came Running” (Alguns Vieram Correndo) pode não ser exatamente um nome bacana para um filme – na verdade, é uma referência às duas pessoas que escaparam da morte em um acidente que acontece logo no começo da história. Mas em português, o filme foi rebatizado de forma ainda pior: “Deus Sabe O Quanto Amei”. Tenha dó!




Sabem, esse negócio de usar palavras em inglês desnecessariamente porque “não existe tradução em português para este termo” me irrita muito. Nossa língua é uma das mais ricas do mundo, e posso dizer que quase tudo tem tradução para o português, é só as pessoas não terem preguiça. Mas, como eu disse, é quase tudo – nem sempre é possível traduzir um título em português de uma forma que ele faça sentido para os brasileiros.

Um bom exemplo é o nome original do filme “Bonequinha de Luxo”, “Breakfast At Tiffany’s”. Naquela época (1961), a imensa maioria dos brasileiros não fazia a menor idéia do que era a Tiffany’s, a famosa e tradicional joalheria de Nova York, fundada em 1837 e que é praticamente uma instituição nos Estados Unidos. Então, um filme chamado “Café da Manhã na Tiffany’s” causaria estranhamento. Então, o clássico foi rebatizado no nosso idioma com a expressão “bonequinha de luxo”. Aí sim!





Falando em bonequinha, não podemos esquecer “Boneca de Carne” (1956). O filme em inglês se chama “Baby Doll”, que não apenas significa algo como “boneca bebê” ou, nesse caso, “bonequinha”, como também é um modelo de camisola curta (como a mulherada leitora sabe muito bem). Acontece que o clássico de Tennessee Williams levado às telas conta a história de uma mulher sedutora que é pouco mais que uma adolescente (tem 19 anos) e é semelhante à personagem Lolita, de Nabokov (https://pt.wikipedia.org/wiki/Lolita), então o título é um trocadilho, que mistura as idéias de bonequinha e camisola sexy, justamente para passar a idéia de ingenuidade + sensualidade – bem sacado, para dizer o mínimo. Concordo que trocadilhos nem sempre são traduzíveis, mas “Boneca de Carne” é um título de lascar.

“Boneca de Carne”, aliás, foi dirigido por Elia Kazan, o mesmo diretor de “Um Bonde Chamado Desejo”, outro clássico inspirado em uma obra de Tennessee Williams.  Lembrei disso porque “Um Bonde Chamado Desejo” é, como se diz, ‘às vezes referido como’ “Uma Rua Chamada Pecado”. Alguém me explica qual a razão de rebatizar uma obra cujo nome original já era conhecido e faz sentido em português com um nome parecido com o original, mas não tão interessante? Sei lá, talvez “Uma Rua Chamada Pecado” tivesse mais apelo para o público naqueles tempos. Em 1951, quando o filme foi lançado, a Legião da Demência, quero dizer, Legião da Decência deixou os produtores loucos, fazendo com que várias cenas fossem cortadas ou refeitas. Mesmo assim, vista hoje, 66 anos depois, a provocante relação de amor e ódio, paixão e melancolia, entre Blanche Dubois (Vivien Leigh) e Stanley Kowalski (Marlon Brando) ainda mexe com o público – e isso sem ninguém precisar tirar a roupa...




Amantes da Sessão da Tarde Que Prestava (https://poltrona-r.blogspot.com.br/2015/12/a-sessao-da-tarde-que-prestava.html?showComment=1504623498190#c4072276587714698237) devem se lembrar de um filme chamado “Cupido Não Tem Bandeira”. O título original era “One, Two, Three” (que significa ‘Um, dois, três’). Pô, qual o problema do filme se chamar “Um, dois, três”, mesmo, no Brasil? Está certo que é uma comédia (de Billy Wilder, aliás) que brinca com a rixa entre comunistas e capitalistas; mesmo assim, acho que talvez o título “Um, dois, três” despertasse mais a curiosidade do público do que essa bobagem em português.

Outro título infeliz, pelo menos na minha opinião, é “Meu Pecado Foi Nascer”. Caramba, nem novela mexicana e argentina exibida pelo SBT tem um nome desses! Estrelada por Clark Gable (o eterno Capitão Butler de “E O Vento Levou”), Yvonne De Carlo (que, fisicamente, deve ser o elo perdido entre Vivien Leigh e Rita Hayworth) e o maravilhoso Sidney Poitier (de “Ao Mestre Com Carinho”), a produção de 1957 conta a história de amor entre uma escrava branca e seu senhor na época da Guerra Civil Americana. O enredo do filme tem algo de novelão, mas, gente, não é para tanto, vai?





“Vertigo”, em inglês, é, literalmente, “vertigem”. E não é só o nome de uma música do U2 (https://www.youtube.com/watch?v=98W9QuMq-2k). É também o título original do clássico de Alfred Hitchcock, “Um Corpo Que Cai” (1958). E falando em música, “Assim Caminha A Humanidade”, hit do Lulu Santos (https://www.youtube.com/watch?v=8JKxOBUA3cY) e título em português do filme de 1956, estrelado por James Dean e Elizabeth Taylor. Detalhe: o título original do filme é “Giant”, “Gigante” em inglês. Eu pergunto: não dava para traduzir os nomes desses filmes como “Vertigem” e “Gigante”, mesmo? Qual a necessidade de inventar moda?

Mais uma coisa: eu sempre quis saber por que um filme que, no original, se chama “O Som da Música” (“The Sound Of Music”), virou “A Noviça Rebelde” no Brasil. Será que só eu acho “O Som da Música” mais legal? Desconfio que o título em português foi dado porque as pessoas ficariam imaginando o que uma noviça rebelde seria capaz de fazer, e isso atrairia gente aos cinemas, curiosa para descobrir. O mesmo aconteceu com "The Glass Bottom Boat" ("O Barco de Casco de Vidro"), que no Brasil virou "A Espiã de Calcinhas de Renda". Mas “A Noviça Rebelde” é um filme familiar, não tem nada daquilo que esse público poderia pensar. E "A Espiã de Calcinhas de Renda" é uma das muitas comédias românticas bobinhas que Doris Day fez em sua carreira. Propaganda enganosa!!!





Outro título de filme em português que merece o Troféu Vergonha Alheia para o tradutor é “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, de Woody Allen. O clássico que marcou época e ditou moda no final dos anos 70 e começo dos anos 80 se chama, em inglês, “Annie Hall”, que é como se chama também a personagem de Diane Keaton. Tem gente que odeia tanto o título nacional desse filme que se refere a ele como “Annie Hall”, mesmo.

Pra encerrar, eu não poderia deixar de mencionar aquele que, para muitos fãs, é o pior título em português de filme clássico da História: “Os Brutos Também Amam”. Além de ser desnecessariamente exagerado, o título em português desse filme (cuja resenha eu já fiz em http://poltrona-r.blogspot.com.br/2017/04/dvd-os-brutos-tambem-amam.html) distorce tudo. Não se trata exatamente de uma história de amor, e sim de um faroeste dramático. “Shane”, que é como o clássico western se chama em inglês, é apenas o nome do personagem principal, vivido pelo meu xará de aniversário, Alan Ladd. Está certo que Shane é um nome que soa meio esquisito aos ouvidos dos brasileiros, especialmente naquela época. Mas o tradutor podia ter pegado mais leve, eu acho.




Com a globalização, casos assim têm se tornado cada vez mais raros. A moda agora é não traduzir os títulos. Não acho legal deixar o título original quando é possível encontrar uma tradução bacana e que seja próxima do significado do título em inglês. “Giant”, por exemplo, podia ter virado “Os Gigantes”, mas é provável que, nos dias de hoje, se chamasse “Giant” mesmo – assim, sem tradução. Se tivessem sido lançados no século 21, “Um Corpo Que Cai” se chamaria “Vertigo”,“Os Brutos Também Amam” se chamaria “Shane”, e assim por diante. Menos mau. Bem menos mau.


FONTES
http://loremholly.blogspot.com.br/2013/

http://50anosdefilmes.com.br/2014/a-espia-de-calcinhas-de-renda-the-glass-bottom-boat/






4 comentários:

  1. Sou de opinião de que se deve procurar na escolha de um título em português para filmes estangeiros um equivalente o mais próximo possível do original. Para "Breakfast at Tiffany's", um título comercial e minimamente fiel ao original poderia ser "Café da manhã com diamantes".

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  2. Há tradução ,e há versão.Aquela coisa de ''versão brasileira''....Há títulos em Portugal que são de pior 'versão' ainda.Quase 'spoiler'...

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    1. Verdade. O de "Psicose" eu não vou falar porque aqui não se dá spoiler, mas pesquise. É inacreditável!
      Gostou desse texto.
      Por favor, me ajude divulgando e compartilhando.
      Abçs

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