quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

YOUTUBERS ANALISAM EPISÓDIOS (E POLÊMICAS) DO DESENHO PICA-PAU



        Mais de sete décadas após a sua criação, ele continua rendendo polêmicas intermináveis. Houve, inclusive, algumas tentativas de torná-lo meigo e bonzinho, mas o fato é que a graça estava mesmo na total incorreção política de seus desenhos. Eu mesma já vi, inclusive, uma tese de mestrado que o apresentava como um mau exemplo que deveria ser proibido para as crianças. Já sacaram que o assunto desse texto é o mais popular, irreverente e controverso desenho animado de todos os tempos: o Pica-Pau.

Criado em 1940 pelo cartunista Walter Lantz (de quem já andei falando por aqui em http://poltrona-r.blogspot.com/2016/10/walt-disney-versus-walter-lantz-tinha.html), o Pica-Pau (ou Woody Woodpecker, em inglês) surgiu despretensiosamente, como coadjuvante de um desenho daquele que até então era o personagem de maior sucesso de Lantz, Andy Panda (de quem provavelmente você já ouviu falar). Mas logo o pássaro xarope caiu nas graças do povo e ganhou sua própria série de animação, ofuscando até o próprio Andy.




O estilo politicamente incorreto, que sempre foi a marca registrada de Walter Lantz (de quase todos os desenhos da época, mas de Lantz em particular) já aparecia nos desenhos do Andy Panda, mas atingiu seu auge com o Pica-Pau. Sádico, debochado e vingativo, o “cabeça-de-fogo” adorava azucrinar suas vítimas das formas mais cruéis possíveis. E não é só – ele fazia coisas consideradas escandalosas, como fumar e beber em público, tentar cometer suicídio, roubar gasolina, sacanear policiais, desrespeitar médicos, sair com um bando de prostitutas e até debochar da cara da morte.

Toda essa virulência, ousadia e cinismo jamais impediram que o Pica-Pau tivesse milhões de fãs através de gerações, em todo o mundo e em todos os idiomas imagináveis – superando, inclusive, os desenhos certinhos e politicamente corretos de agora. Uma bela prova disso é que eu, como youtubeólatra incurável, tenho me deparado com um monte de vídeos que têm Walter Lantz e o Pica-Pau como tema. Separei alguns deles aqui para você, leitor, se divertir e conferir o talento destes novos curtidores de um dos melhores e mais inteligentes desenhos animados que já existiram. "Marche!"




O canal Você Não Sabia fez uma análise divertida dos momentos mais controvertidos dos episódios clássicos do Pica-Pau – e, o que é melhor, em ordem cronológica. Note que os episódios mais politicamente incorretos são justamente os mais antigos, da década de 1940 e início da de 1950.



Por falar nisso, a internet é repleta de memes e textos criticando e até declarando ódio ao chamado “Pica-Pau Doidão”, aquele com cara de maluco, dos primeiros desenhos produzidos. Eu discordo completamente destas críticas. Afinal, o conceito do personagem criado originalmente por Walter Lantz era justamente aquele bicho doido e esquisito, discriminado e tido como louco por outros seres do reino animal. Aos poucos o Pica-Pau foi tendo seu visual retrabalhado pelos desenhistas até virar o tipo (na minha opinião!) fofinho, chato e sem graça dos anos 60 e 70, e ganhar um remake horroroso a partir de 1999. Quanto a esse remake, eu prefiro nem comentar. A turma que fez o novo Pica-Pau para mim tem tanta intimidade com a obra de Lantz quanto eu tenho com física quântica.




O Pica-Pau Doidão para mim é sensacional, e muita gente não gosta dele porque não o entende, não compreende a genialidade de Walter Lantz na sua forma mais pura, sem interferência de censores de nenhum tipo. “Everybody thinks I’m crazy”, mas de acordo com o meu gosto pessoal, os melhores desenhos do Pica-Pau são aqueles feitos até 1959 (nem da fase Pé de Pano eu gosto). Por volta de 1962, o pássaro louco foi ficando menos louco e mais bonzinho, e essa transformação levou embora pelo menos 70% da graça dos desenhos. Esse processo de “amenização” teve que acontecer porque, nos anos 40 e 50, desenhos animados eram exibidos apenas nos cinemas. Com a popularização da TV nos EUA, na década de 1960, foi preciso que o Walter Lantz Studio deixasse suas obras mais leves, para que as crianças pequenas pudessem vê-las. Como se não bastasse, o custo de produção dos desenhos do Pica-Pau por episódio foi ficando mais alto, justamente por causa dessa migração do personagem para a televisão. O orçamento mais baixo e a censura pegando no pé interferiram, obviamente, na qualidade do trabalho de Lantz e sua equipe. A emissora comprou também os episódios antigos do Pica-Pau, mas – aí vem o lado ruim – decidiu fazer algumas modificações neles, para torná-los mais “família”. O que é uma grande ironia, pois o próprio Lantz sempre afirmou que nunca teve a intenção de fazer desenhos para crianças, e que sua obra sempre foi voltada para jovens e adultos (isso explica muita coisa...).




O pessoal do canal Vício Nerd se aprofundou ainda mais nessa questão da “tesoura” televisiva do que o vídeo anterior. No vídeo criado por eles, você vai ver algumas cenas que a censura não deixou serem exibidas na telinha, não só nos Estados Unidos como em outros países, Brasil incluído. É curioso como, na maioria dos casos, a falta das cenas cortadas deixa o enredo sem sentido. Um bom exemplo é o episódio de estréia do personagem, “Knock Knock”, que no Brasil se chama – vai entender –  “O Pica-Pau Ataca Novamente” (https://www.youtube.com/watch?v=PTGpjpbeqdQ). O final original é bem mais engraçado, irônico e inteligente do que aquele que foi para o ar. Assista e confira.



Já o Felipe Castanhari, do Canal Nostalgia, atende aos pedidos de inúmeros inscritos seus e mergulha na história de Walter Lantz e do Pica-Pau em um vídeo muito bacana e completo. De todos os especiais de youtubers que eu postei aqui, o especial do Castanhari é o que melhor dá ideia da genialidade de Lantz, pois faz um compilado de trechos de desenhos de diversas fases do pássaro mais doidão da televisão. Gostei da forma como estas cenas clássicas foram intercaladas com a narrativa do Castanhari. O youtuber também fala da evolução dos inimigos e coadjuvantes, como Zeca Urubu (que tinha uma cara de bandido bem mais assustadora nas primeiras versões), o esfomeado Zé Jacaré  e, claro, o meu desafeto preferido do Pica-Pau, o ultra-clássico Leôncio, aquele morsa que no Brasil falava portunhol, mas que na versão original tinha um sotaque meio alemão, meio sueco (https://pt.wikipedia.org/wiki/Wally_Walrus), uma provável referência aos inimigos germânicos dos norte-americanos na Segunda Guerra Mundial. Como brinde extra, uma “sessão remember” dos bordões mais inesquecíveis da história do Pica-Pau. Quem acompanha o personagem há pelo menos 30 anos vai lembrar de alguns deles:  “Mulheres, iate, mulheres!”, “Se o Pica-Pau tivesse comunicado à polícia, isso não teria acontecido”, “Vudu é pra jacu”, o “Aêêêê!!!” das Cataratas, e tantos outros. Há até uma homenagem aos dubladores da ave psicopata. Um dos momentos mais engraçados é o que mostra as versões da franquia Pica-Pau em videogame. Quem teve infância vai se deliciar.



É surpreendente como cenas que foram criadas há décadas sobreviveram ao surgimento de diversas mídias e entraram na era da Internet, onde se transformaram em memes. A obra de Walter Lantz, assim como a de Roberto Bolaños, Hanna-Barbera e Walt Disney, resiste à passagem do tempo justamente por ser universal e atemporal. E, claro, pela sua qualidade inigualável. Minha nossa, minha nossa, minha nossa, nossa, nossa!

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