quarta-feira, 11 de novembro de 2020

LOONEY TUNES, A HISTÓRIA DOS ÍCONES DA NOSSA INFÂNCIA

 


Se você mora neste planeta há algum tempo, com certeza já assistiu a algum desenho dos Looney Tunes. Caso o nome não signifique nada para você, são os desenhos da Warner Bros., que tinham como personagens figuras clássicas como Pernalonga, Patolino, Ligeirinho, Frajola e Papa-Léguas. A série de animações foi produzida entre 1930 e 1969, um período fértil em termos de criatividade para esse tipo de arte.

O que eu sempre quis saber é: qual a origem dos Looney Tunes? O que significa esse nome, e o que quer dizer “Merry Melodies”, que a gente via escrito em muitas vinhetas de abertura desses desenhos? Quem bolou a icônica trilha sonora? A empresa ACME realmente existiu? E como surgiu o bordão “Por hoje é só, pessoal!” (“That’s all, folks”, em inglês)? Resolvi finalmente matar a curiosidade e dividir minhas descobertas com vocês.



Nossa história começa (aposto que você leu com a voz do narrador do Looney Tunes!) no ano de 1930, quando um cara chamado Walt Disney (que dispensa apresentações) estava bombando nos cinemas com a histórica série de desenhos chamada “Silly Symphonies” (em português, “Sinfonias Tolas”), que trouxe personagens como os Três Porquinhos. De olho na concorrência, os irmãos Warner, donos do estúdio de mesmo nome, escalaram o produtor Leon Schlesinger para criar a própria linha de animações da casa. O nome do projeto era descaradamente parecido: “Looney Tunes” (uma brincadeira com a expressão “Canções Malucas”). Como se não bastasse, a Warner Bros. criou no ano seguinte (1931) uma série-irmã dos Looney Tunes, chamada (vejam só) “Merrie Melodies” (que significa “Melodias Alegres”).


       

Se no nome as produções da Warner não eram nada criativas, em todo o resto elas foram revolucionárias. Os primeiros personagens foram a hoje pouco lembrada dupla Bosko & Honey, um sub-Mickey e uma sub-Minnie. Nos créditos já se via os nomes de Paul Smith (que mais tarde trabalharia com Walter Lantz, o criador do Pica-Pau) e Isadore “Friz” Freleng (que continuaria por muito tempo no estúdio até deixá-lo em 1963, para fazer A Turma Da Pantera Cor de Rosa”). Eram desenhos boboquinhas, cujo traço copiava descaradamente o das primeiras animações do Mickey, como o pioneiro “Steamboat Willie” (https://www.youtube.com/watch?v=hxf-UHuGobI). 




Neste episódio de Bosko que eu compartilho abaixo, dá pra ver a polêmica que a série iria causar, pois o personagem não é um animal, e sim (o que parece ser) um garoto negro. Tá legal, não é nenhum Mickey Mouse, mas tem cenas hilárias como a da vaquinha dançarina que, não sei por que motivo, me fez lembrar a Vaca Gilda, personagem do cartunista e apresentador infantil brasileiro Daniel Azulay na década de 1980 (https://www.youtube.com/watch?v=UXZyKFRj90o).



A Warner apostou com tudo no personagem. Acredite, em apenas três anos foram feitos 57 curtas de Bosko e sua turma. Inclusive, no episódio “Sinkin’ In The Bathtub” (“Afundando na Banheira”) foi usada pela primeira vez a frase “That’s All, Folks” (“Por hoje é só, pessoal!”), que viraria o tradicional bordão de encerramento dos Looney Tunes. https://www.youtube.com/watch?v=GaE6OySzq5g&list=PLYQzAkyHuhtSAw5EsYqreAKB8b7xeStS6&index=5

Após desentendimentos, os animadores Hugh Harman e Rudolf Ising se desentenderam com Schlesinger e foram trabalhar para a MGM. Há males que vêm para bem. Friz Freleng, o diretor que permaneceu na Warner, reuniu um time de jovens animadores para recomeçar a série praticamente do zero. Neste seleto grupo, estavam Bob Clampett e Charles “Chuck” Jones, que se tornariam pilares da série nos anos seguintes. Deu resultado. Em 1935, estreava nas telas o primeiro personagem clássico dos Looney Tunes, o Gaguinho (Porky Pig, em inglês).



O suíno tímido de fala atrapalhada ganhou o coração do público, inaugurando uma galeria de tipos icônicos. O briguento Patolino (Daffy Duck, no original) foi lançado para concorrer com o também pato e também nervosinho Donald da Disney, mas acabou ganhando personalidade e luz próprias.

Feliz com o sucesso dos novos personagens, a Warner Bros. decidiu criar um companheiro de trapalhadas para o Gaguinho. Tex Avery, Chuck Jones e Bob Clampett se juntaram para construir essa figura. Misturaram Groucho Marx com Clark Gable e o mundo animal, e o que saiu foi um coelho completamente alucinado, irreverente e debochado, que adora comer cenoura. Era ele mesmo, o Pernalonga. Seu nome em inglês, Bugs Bunny, significa algo como “coelho doido”, e definia bem o que era o personagem. Inclusive, o hábito do Pernalonga de devorar cenouras surgiu de uma cena do filme “Aconteceu Naquela Noite” (https://poltrona-r.blogspot.com/2016/10/dvd-aconteceu-naquela-noite.html), em que o personagem de Gable come este legume em um lanche rápido  (https://www.youtube.com/watch?v=Wcrth90C3D4). Toda vez que era provocado, Pernalonga encarava o adversário com cinismo e soltava o inconfundível bordão “O que é que há, velhinho?” (“What’s up, doc?”, no original).



Mas quem iria dar uma voz ao Pernalonga? Ninguém menos do que o genial Mel Blanc (https://poltrona-r.blogspot.com/2017/04/mel-blanc-o-homem-das-mil-vozes.html), o maior dublador da história dos desenhos animados. Uma curiosidade bizarra é que a risada criada por Blanc para o desenho “Porky’s Hare Hunt” (“Gaguinho na caça ao coelho”) não emplacou nos desenhos da Warner, mas viraria febre ao ser aproveitada em outro ícone da animação, o Pica-Pau, de Walter Lantz. Assistindo ao episódio hoje, é bastante estranho ouvir a gargalhada do pássaro doidão na boca de outro personagem. Vale a pena conferir:



Enquanto a “Silly Symphonies” da Disney já tinha desenhos em Technicolor desde praticamente seu início, os “Looney Tunes” da Warner ainda eram produzidos em branco e preto. “Merrie Melodies”, porém, já era colorida. A partir de 1943, ambas as séries passaram a ser produzidas em cores.

Em obras de animação, a música é tudo. E os desenhos da Warner Bros. já haviam utilizado toda a vasta biblioteca musical do estúdio em 1937, quando o grudento tema de abertura e encerramento dos Looney Tunes, intitulado “The Merry-Go-Round Broke Down”, composto por Cliff Friend e Dave Franklin, começou a ser utilizado (https://www.youtube.com/watch?v=XwiQVKOrejo). No mesmo ano, “Merrily We Roll Along”, de autoria de Charles Tobias, Murray Mencher e Eddie Cantor, foi escolhida como trilha de “Merrie Melodies” (https://www.youtube.com/watch?v=mGM0xkHD6jQ).  



Agora, com Pernalonga, Patolino e Gaguinho, a Warner Bros. finalmente tinha munição para peitar a Disney. Mas faltava um diferencial. A Warner teve uma sacada: ao contrário do estúdio do mestre Walt, que produzia desenhos ingênuos, voltados mais às crianças e trazendo lições de moral, os Looney Tunes iriam esculachar. Pernalonga e sua turma viveriam aventuras recheadas de sarcasmo, irreverência e crítica social. E não foi só isso. Em vez de seguir o estilo disneyano de dar aos personagens e cenários o maior realismo possível, a estética escolhida pela Warner foi deixar os desenhos com aparência propositalmente tosca, mas recorrer ao deboche e a sacadas surrealistas, como objetos inanimados que, do nada, ganhavam vida própria.

Outra coisa interessante de se observar é que os desenhos da Warner Bros. que tinham bichos como protagonistas misturavam personagens humanos e animais, coisa que não ocorria nos curtas da Disney estrelados por Mickey, Pateta e Donald. Já os Looney Tunes geralmente se valiam dessa combinação para ridicularizar gente, e não bichos. Isso incluía celebridades, como Humphrey Bogart, o astro do filme “Casablanca”. Ele dá uma “canja” neste episódio que eu separei, feito em 1950. O título é “8 Ball Bunny”, batizado no Brasil de “Esse Pinguim É Uma Fria”.



Uma coisa importante de lembrar é que nos anos 30 e 40, ainda não existia um público-alvo específico para os desenhos animados. Os curtas de animação eram exibidos antes dos filmes, como uma espécie de “aperitivo”. Dá para entender por que vários cartunistas da época inseriam piadas adultas em suas obras. Aos poucos a Disney foi investindo cada vez mais no chamado entretenimento familiar (agradar principalmente às crianças, mas também às outras faixas etárias). A Warner Bros., porém, manteve o humor como carro-chefe. E revolucionou ao “quebrar a quarta parede” (ou seja, fez com que os personagens conversassem com o público) em alguns episódios.

O elenco animado da Warner foi aumentando nos anos seguintes: vieram Piu-Piu (Tweety) em 1942, Frajola (Sylvester) em 1945, Frangolino (Foghorn Leghorn) em 1946, Papa Léguas (Road Runner) em 1949, Taz (Tasmanian Devil) em 1954Ligeirinho (Speedy Gonzales) em 1955, e vários outros que eu só não vou citar aqui por falta de espaço. Um personagem polêmico, o gambá conquistador Pepe Le Pew (que, até hoje, muitos consideram um estereótipo racial dos franceses), havia sido idealizado por Chuck Jones em 1930, mas só foi resgatado e aproveitado em 1945. A inspiração para Pepe foi o ator Charles Boyer.



A popularidade dos Looney Tunes já era grande, mas explodiu durante a década de 1950, quando a série foi exibida, junto com “Merrie Melodies”, na televisão, que era uma mídia recém-criada. Porém, os desenhos foram, em sua maioria, editados e tiveram cenas cortadas por serem tidas como inadequadas ao público infantil. Nos anos 60, a Warner Bros. desativou seu estúdio de animação, e os desenhos de curta-metragem passaram a ser produzidos pela De-Patie Freleng, estúdio que tinha como sócios David DePatie e Friz Freleng. A queda na qualidade dos trabalhos era visível logo nos créditos, que já davam uma ideia do empobrecimento visual que essa mudança tinha provocado.

Entre as décadas de 1970 e 1990, foram produzidos diversos especiais e longa-metragens com Pernalonga e Patolino, mesclando trechos de desenhos antigos a cenas inéditas. Era uma nova geração de fãs que estava surgindo. Porém, a produção de curta-metragens foi retomada apenas em 1987. Além disso, a TV a cabo passou a exibir a chamada “Hora ACME”, dedicada exclusivamente a desenhos clássicos da Warner Bros.



Mas que diabos é ACME? Espécie de versão ianque das Organizações Tabajara do “Casseta e Planeta” (https://www.youtube.com/watch?v=CJyZT5YkQa0), a ACME era um conglomerado fictício que fabricava os produtos inimagináveis que os personagens da Warner utilizavam nos desenhos. A primeira vez que a marca apareceu foi no curta-metragem “Buddy’s Bug Hunt”, de 1935 (https://www.youtube.com/watch?v=oYcpuZMcl_Y&t=15s). O nome ACME é uma sigla que significa “A Company That Makes Everything” (“uma empresa que faz tudo”). O maior cliente da ACME era, com certeza, Coyote, o vilão que recorria aos lançamentos da empresa para tentar capturar o Papa-Léguas. Garimpando no YouTube, encontrei essa montagem só com produtos ACME, em cenas extraídas de episódios variados. Tem livro, graxa, cola, ração pra passarinho, ratoeira, brinquedos, roupas, remédio pra dor de cabeça, papel pega-mosca... Enfim, a ACME produzia de tudo, mesmo.

 


Falando em produtos, na vida real a franquia Looney Tunes virou uma marca cuja força faria inveja aos “donos” da ACME, caso a superempresa que Coyote adora realmente existisse. Todo tipo de artigos com a imagem dos personagens já foi lançado no mercado.

Inclusive, os Looney Tunes alcançaram uma glória sonhada por muita celebridade hollywoodiana nos anos 70 e 80: virar cabeça das balas PEZ. De origem austríaca, as guloseimas tinham como marca registrada a embalagem retangular cuja parte de cima era o rosto de algum personagem da moda. Na minha época, a gente ganhava essas balas como lembrancinha nas festas de aniversário das outras crianças e guardava como se fosse souvenir. Como o colecionismo estava no auge, havia meninas e meninos que tinham um arsenal de embalagens de PEZ e até trocava aquelas com personagens repetidos, como se fossem figurinhas. 


 

De olho em uma nova e crescente fatia de público – as crianças em idade pré-escolar – em 2001 foi lançada a série “Baby Looney Tunes”, que retratava Pernalonga e sua turma ainda pequeninos. A sacada não é nova – nos anos 80 o “Muppet Show” (https://poltrona-r.blogspot.com/2017/05/meus-15-momentos-musicais-favoritos-dos.html) ganhou uma versão em desenho animado chamada “Muppet Babies” (https://www.youtube.com/watch?v=iozn7cdiEXo), e “Os Flintstones” tiveram sua versão infantil, “Os Flintstones Nos Anos Dourados” (“Flintstones Kids”) https://www.youtube.com/watch?v=eW2sf_IR8jQ. Então por que não criar uma série com os Looney Tunes criancinhas?



Como era de se esperar, essa foi mais uma idéia nada original, mas totalmente certeira. Os Baby Looney Tunes ganharam o coração da garotada mais novinha e, claro, geraram lucros e deram origem a uma linha própria de produtos, a maioria destinados a bebês. Para quem quer divertir a molecadinha, essa página aqui tem ilustrações dos Baby Looney Tunes para imprimir e colorir: http://www.desenhosparacolorir.org/desenhos/104-desenhos-para-colorir-Baby-Looney-Tunes.html

Acredito que mais gerações de fãs dos Looney Tunes ainda virão. Principalmente se o acesso aos episódios mais antigos for facilitado. São obras que fizeram história, tanto no cinema quanto na vida da gente. A saga dos Looney Tunes na indústria do entretenimento ainda está longe de acabar. Mas aqui no blog, por hoje é só, pessoal!

 


FONTES

https://dublagempedia.fandom.com/pt-br/wiki/Lista_de_Personagens_dos_Looney_Tunes

https://pt.wikipedia.org/wiki/Looney_Tunes#Personagens

https://super.abril.com.br/cultura/a-louca-etimologia-dos-nomes-dos-personagens-de-desenho/

https://www.hypeness.com.br/2020/06/looney-tunes-recria-desenhos-com-personagens-classicos-sem-armas/

http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/pernalonga-80-anos-de-um-dos-personagens-mais-importantes-da-animaa-a-o/485711

https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2020/06/08/looney-tunes-armas-hbo-max.htm

https://www.papelpop.com/2020/05/looney-tunes-personagens-criam-confusoes-em-primeiras-imagens-da-nova-serie/

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2602200209.htm

https://super.abril.com.br/especiais/o-que-e-que-ha-velhinho/

https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/looney-tunes-racista-censored-eleven.phtml

https://www.uol.com.br/start/ultimas-noticias/2017/10/10/qual-e-a-origem-da-empresa-acme-dos-desenhos-do-papa-leguas.htm

https://pt.wikipedia.org/wiki/ACME

https://pt.wikipedia.org/wiki/Baby_Looney_Tunes

https://en.wikipedia.org/wiki/Baby_Looney_Tunes

http://www.autobahn.com.br/lembrancas/balas1.html

https://en.wikipedia.org/wiki/Pez

https://www.mashed.com/216050/the-untold-truth-of-pez-candy/

  

LINKS ALTERNATIVOS

Steamboat Willie: https://www.youtube.com/watch?v=BBgghnQF6E4

Vaca Gilda: https://www.youtube.com/watch?v=M5IRXZUlRwo

The Booze Hangs High: https://www.youtube.com/watch?v=LKzg7HnaVWk

Sinkin’ In The Bathtub: https://www.youtube.com/watch?v=j2i2lxMmPRA

The Merry-Go-Round Broke Down: https://www.youtube.com/watch?v=GTY6ubgC5-c

Merrily We Roll Along: https://www.youtube.com/watch?v=TSMOrBpbvZM&t=12s

8 Ball Bunny (em inglês): https://www.youtube.com/watch?v=Dm_e-6D1hWg

Organizações Tabajara: https://www.youtube.com/watch?v=CJyZT5YkQa0

Produtos ACME: https://www.youtube.com/watch?v=Og67Wwhhe6Q

Baby Looney Tunes (Dente de Leite): https://www.youtube.com/watch?v=eeyKmrt4V-U

 

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