terça-feira, 29 de março de 2016

BUSBY BERKELEY, O MESTRE DOS PIN-UP MOVIES





Ele não sabia dançar. Não era coreógrafo; aliás, não entendia nada de dança – e se orgulhava disso. Mesmo assim, foi o criador de alguns dos filmes musicais mais visualmente incríveis que a Hollywood da Velha Guarda conheceu. De sua imaginação maravilhosamente desenfreada saíam imagens em caleidoscópio, explosões de cores, danças exóticas e espetáculos inacreditáveis que eram veículos para divas como Esther Williams e Ginger Rogers, ambas lançadas no cinema por ele. E foi pelas mãos dele que a nossa Carmen Miranda brilhou mundo afora. Suas obras fizeram sonhar batalhões de soldados da Segunda Guerra Mundial e lançaram moda entre a mulherada da época. Estou falando do diretor Busby Berkeley, o rei dos filmes musicais da Era das Pin-ups





William Berkeley Enos nasceu no dia 29 de novembro de 1895 em Los Angeles. Filho de atores, ganhou ainda na infância o apelido de Busby (dado pela atriz Amy Busby, que o chamava de Buzz ou Busbee), e mais tarde viria a incorporá-lo oficialmente ao seu nome. Estreou nos palcos aos cinco anos de idade, atuando com os pais. Lutou na Primeira Guerra Mundial como Tenente de Artilharia, e observar os batalhões de soldados em treinamento lhe deu ideias para criação de suas futuras e complexas coreografias. Nos anos 1920, ele foi diretor de números de dança em vários musicais da Broadway. Mas só foi estrear no cinema em 1932, com um musical estrelado pelo comediante e showman Eddie Cantor, que ele lançou dos palcos para as telas. O nome do filme era “Night World”, e foi nele que Busby utilizou pela primeira vez a técnica do caleidoscópio, inventada por ele. É algo tão fenomenal e tão difícil de descrever, que só vendo o vídeo abaixo para entender do que se tratava.





O mais espantoso é que todos esses efeitos inacreditáveis eram produzidos apenas com o uso das coreografias, em uma época em que a tecnologia era de uma precariedade quase infantil. Mas a inteligência com que Berkeley explorava os ângulos de câmera e, consequentemente, os ângulos de visão criados por cada um deles, ainda deixa qualquer um de boca aberta, mais de oito décadas depois.
Com a Grande Depressão, o público estava ávido por entretenimento. E Berkeley se tornou imensamente popular nessa época, com suas pin-ups talentosas e esculturais, que arrasavam em números de dança repletos de malícia e uma sensualidade moderninha para aqueles tempos. Detalhe: esse material é até hoje objeto de estudo em faculdades de Comunicação mundo afora.




Em 1943, durante as gravações do filme “Loucos Por Saias”, Berkeley, que era o coreógrafo, teve um desentendimento com a estrela principal, ninguém menos que a grande Judy Garland. Resultado: ele foi simplesmente demitido, mas o número I Got Rhythm, que ele criou, permaneceu na edição final do filme. Ainda em 1943, Berkeley foi a escolha óbvia para dirigir o primeiro filme da nossa diva Carmen Miranda no exterior, “Entre a Loira e a Morena”, aquele que tinha o número The Lady With The Tutti-Frutti Hat. Tem gente que gosta, tem gente que não gosta… Enfim, a polêmica é interminável, mas quero deixar bem claro pra vocês: eu ADORO!




Foi Berkeley também quem concebeu aquelas doideiras pré-psicodélicas que eram os filmes da atriz Esther Williams, a Sereia de Hollywood, na MGM. Clássicos como “A Rainha do Mar” e “Fácil de Amar” mostram o quanto a parceria entre os dois era perfeita.




Em "Salve a Campeã" (1953), inclusive, vale destacar a épica sequência em que Esther contracena com ninguém menos do que Tom e Jerry - eles mesmos, o gato e o rato do clássico desenho animado. Vocês podem imaginar a cara da pequena Renata (sim, euzinha) vendo isso pela primeira vez na vida, aos 6 ou 7 anos de idade.




Uma curiosidade sobre como surgiu esta cena: em 1949 os filmes de Esther Williams ganharam uma paródia de Tom & Jerry, no episódio "The Cat And The Mermouse" ("O Gato e o Rato Sereia"), em que o pequeno Jerry encarnava Esther. Nove anos depois, parte deste desenho (assista no vídeo abaixo) seria utilizada no filme "Salve a Campeã", com a atriz de carne e osso nadando com os dois queridos personagens dos desenhos, graças à união da genialidade de Berkeley com a da dupla William Hanna & Joseph Barbera (que eu, aliás, já deixei claro aqui o quanto admiro).



Vale lembrar também que foi para a musa dos anos 60, Doris Day, que Busby Berleley criou seu último filme, a comédia dramática “A Mais Querida do Mundo”. Olha o trailer aí abaixo. O ano era 1962.




Berkeley foi casado seis vezes, a última com a atriz Etta Dunn. Em 1935, teve que lidar com um escândalo devido a um acidente de carro em que duas pessoas foram mortas, e cinco gravemente ferida. Ele próprio saiu seriamente machucado e com cortes na pele, e, segundo algumas testemunhas, cheirava a álcool.

Perguntado durante uma entrevista em 1971 sobre qual o segredo de sua arte, Busby Berkeley respondeu: “Nunca perguntem os porquês, as causas e razões de um número a Berkeley. Eu próprio não sei. O que importa é que eu diverti vocês, não diverti?”.




Busby Berkeley foi chamado pelo artista plástico Andy Warhol de “O maior artista americano deste século”, e considerado pelo diretor Bob Fosse como “o autor do mais consciente imaginário que já existiu no cinema”. Ele faleceu aos 80 anos de idade, em 14 de março de 1976, em Palm Springs, Califórnia, de causas naturais.

Na primeira metade da década de 80, época da minha infância e pré-adolescência, a Sessão da Tarde Que Prestava exibia inúmeras das suas obras. Foi assim que os filmes desse maluco genial entraram na minha vida, e fizeram parte dos meus anos de moleca, quando eu sonhava em ser “a Rainha das Águas” e queria ser “atriz, bailarina e escritora” quando crescesse. E posso dizer que, após mais de três décadas, meus olhos ainda brilham ao ver suas engenhosas e deslumbrantes criações. Coisas cuja magia não há computação gráfica, por mais sofisticada que seja, que consiga recriar. Obrigada, Busby Berkeley, por nos mostrar que quando existe paixão e talento, até mesmo uma supertecnoogia se torna dispensável. Graças a Deus!


Texto já publicado no site Blah Cultural

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