quarta-feira, 28 de outubro de 2020

DVD – CHICO ANYSIO, CARTÃO DE VISITAS


Chico Anysio, Cartão de Visitas

Ano de Produção: 2003/2004

Direção: Márcio Trigo

Elenco: Chico Anysio, Evandro Mesquita, Castrinho, Berta Loran e outros.

Duração: 154 minutos

Colorido

Gravadora: Som Livre

   



Quando Chico Anysio (1931-2012) morreu, aos 81 anos de idade, todo brasileiro sentiu como se tivesse perdido alguém da família. Na verdade, vários “alguéns” – afinal, a televisão brasileira perdia uma família inteira de personagens clássicos que o público amava. Para quem nunca ouviu falar de Chico Anysio ou teve pouco contato com sua obra, o comediante cearense foi, na minha opinião, o maior ator que este país já teve. Tamanha era sua versatilidade que ele se desdobrava em inúmeros personagens – a maioria criada por ele mesmo. A genialidade de Chico era tamanha que cada papel que ele interpretava não apenas parecia uma pessoa real, como poderia ser uma figura com quem a gente topava na rua ou na fila do supermercado, em alguma festa ou até mesmo na estrada, durante alguma viagem pelo Brasil. Mesmo após tanto tempo sem vermos nada dele na telinha (afinal, como sabemos, a televisão brasileira não tem memória e nem faz questão de ter), o trabalho desse fantástico artista impressiona pela  qualidade, pela inteligência e, principalmente, pela atualidade quase profética. Percebi que tenho falado pouco sobre os ícones brasileiros – sim, nós brasileiros também temos os nossos – então aqui vai uma justa homenagem a um cara que, pra mim, é patrimônio cultural nacional. Este DVD está aqui não apenas por causa disso, mas também pela importância histórica. Chico desenvolveu um estilo único de interpretação,que até hoje influencia milhares de atores no Brasil inteiro. Lançou moda e inventou muitas das gírias que usamos até hoje. Chico Anysio foi o primeiro ator que eu admirei pelo talento na minha vida. Cresci assistindo e acompanhando sua obra. Tive contato com os programas dele na Rede Globo quando eu ainda era criança, e fiquei viciada – até entrevistas com ele eu parava pra ver. Além de ser o ator recordista do número de papéis na teledramaturgia brasileira (foram mais de 100), Chico também desenvolveu e estrelou o seriado mais querido da nossa TV, a “Escolinha do Professor Raimundo”, cuja versão original foi um sucesso estrondoso na década de 1990 (https://www.youtube.com/watch?v=EtxMTjz8eN8). Entre 2003 e 2004, a Globo, emissora que foi a “casa” de Chico Anysio durante quatro décadas, produziu algo que eu sempre sonhei ver: a série “Cartão de Visitas”, em que o próprio Chico revelava o nome completo, o local de nascimento, a história de vida e até alguns segredinhos de cada um de seus personagens. Não sei qual foi o critério para seleção, mas está lá a maior parte dos papéis imortalizados pelo comediante. São 32 episódios, cada um dedicado a um personagem diferente. Infelizmente, o Professor Raimundo não aparece no DVD, porque, graças a Deus, a série ganhou um box só pra ela. Entretanto, maratonando os episódios de “Cartão de Visitas” como eu fiz, você vai viajar no tempo. Quem tem mais de 40 anos vai se emocionar, e quem é mais novo, se assistir com a mente aberta, vai virar fã pra sempre. A propósito, já vou dar um aviso para não causar pânico na tripulação: os tipos que aparecem na série foram criados nas décadas de 70 e 80 – a maioria nos anos 80, época em que se fazia piada com absolutamente tudo e todos. Embora o humor “anysiano” não fosse chulo ou grotesco, era politicamente nada correto, e atualmente coisa igual simplesmente não poderia existir. Algumas piadas vão até chocar a galera mais nova. “Cartão de Visitas” teve produção mais recente, e perdeu parte deste espírito – não tem a virulência da fase oitentista de Chico, mas dá uma boa ideia do que foi a obra dele. O espectador vai entrar no mundo de Justo Veríssimo, político canalha cujo lema é “Eu quero que pobre se exploda” (ele se elegeu com uma votação colossal graças a uma campanha que colocaria Pinóquio no chinelo, e depois de tomar posse virou um mestre da corrupção). Vai conhecer (ou reencontrar) Bento Carneiro, o Vampiro Brasileiro, que está para o Drácula assim como o Chapolin Colorado está para o Superman: quer assustar as pessoas, mas só provoca risos, principalmente quando resolve “pinchar a marrrdição” para concretizar sua vingança “malígrena”. Vai ter uma sensação de familiaridade ao acompanhar as fanfarronices de Coalhada, um super jogador de futebol que só quer saber de farra, bebida e mulher, mas que na hora de treinar foge igual ao diabo da cruz. Vai se identificar com o Jovem, um universitário cabeça-oca que adere ao visual, às gírias, aos comportamentos e até mesmo à ideologia política da galera da faculdade sem saber nem o que está fazendo, apenas pelo medo de ser excluído e chamado de “bundão” (e, claro, para chocar os pais conservadores!). Outro personagem que o espectador vai achar surpreendentemente contemporâneo e que está presente na série é Tim Tones, um pastor evangélico picareta que fatura às custas dos fiéis ingênuos e vende os mais incríveis produtos “abençoados” que fazem milagres (a música-tema do personagem marcou época). Outra criação de Chico Anysio que virou lenda e que permanece atual é Haroldo, o ex-gay – ele também vai surgir na telinha pra quem vê este DVD. Cansado de sofrer preconceito, Haroldo resolve “se transformar” em heterossexual, mas não consegue negar sua própria natureza e sempre acaba se apaixonando por homens. De maneira sutil, Chico mostra que, embora a discriminação contra gays exista, o maior ódio que uma pessoa pode sofrer é o dela contra si mesma. E continua o desfile de figuras que marcaram época, todas vividas por Chico, todas inacreditavelmente contemporâneas. O clássico Nazareno, o homem machista que trai a mulher com a empregada. A escrotice do cara é tão grande que ele maltrata e xinga a esposa na frente da amante. Painho, o pai de santo popstar que adora ser mimado pelas suas “irmãs” do terreiro e receber celebridades (alguém aí lembrou do Inri Cristo?https://www.youtube.com/watch?v=NWUsDOY2S_A). Alberto Roberto, sujeito egocêntrico e “estrelão” que não tem talento pra nada mas ama os holofotes e faz as coisas mais ridículas para aparecer na mídia, desde bancar o galã em novelas estilo mexicano/argentino até se transformar em uma metralhadora de abobrinhas como entrevistador (os mais velhos aqui com certeza se lembram do “Show do Alberto Roberto” https://www.youtube.com/watch?v=vU0VNckZ3lg). Outra figura interessante é o Bozó, um rapaz feio e pobretão que utiliza um falso crachá do Projac para obter vantagens na vida, e, principalmente, conquistar lindas aspirantes a atrizes. “Eu trabáio na Grôbo!”, diz ele (agora, quando for chamar alguém de Bozó, você sabe a origem dessa gíria). Em todos os episódios, dá pra ver que Chico Anysio explorava com maestria as diferentes características de cada lugar do Brasil, os variados tipos humanos e suas manias e uma crítica social afiada para compor personagens que até hoje moram no coração do público. Em “Cartão de Visitas”, o que deixa qualquer um de queixo caído é a naturalidade com que o criador fala de cada uma das suas criaturas, como se fossem pessoas de verdade que ele tivesse conhecido. A sensacional abertura da temporada de 1984 do seu programa na Globo brincava de forma esperta com os boatos de que Chico Anysio tinha transtorno de personalidade múltipla (aliás, foi a melhor abertura que eu já vi na minha vida https://www.youtube.com/watch?v=U5FnBnxKSMQ). No final do último episódio de “Cartão de Visitas”, a gente, mesmo depois de ter dado boas gargalhadas, fica com uma sensação de tristeza ao ver o quanto a televisão brasileira andou para trás nos últimos 20 anos. A sofisticação da obra de Chico Anysio é algo impensável na indústria do entretenimento que temos hoje. Humor para rir, mas também para refletir. E que, como prova este DVD, ainda rende bons debates quando assistido em família e/ou com os amigos. Chico zoava igualmente os ricos e os pobres, os gays e os héteros, os cristãos e os umbandistas, os políticos e os eleitores, os famosos e os cidadãos comuns. Ninguém, absolutamente ninguém, escapava da mira do comediante. Ele conseguia ser politicamente incorreto, mas emocionar; ser sofisticado, mas falar ao grande público; ser ácido, mas lavar a nossa alma. Isso sem contar o talento fora do normal – além de ator e autor, ele também foi diretor, radialista, dublador, compositor (a música-tema de abertura de seu programa na década de 80 era de autoria dele) e ainda ajudou a lançar feras como Tom Cavalcante (que até hoje o homenageia frequentemente). Considero este DVD obrigatório, principalmente para você que estuda arte dramática. Vale por uns três meses de curso de teatro, e ainda é bem mais em conta.

 


 


CURIOSIDADES

 

• Um dos pouquíssimos atores da versão original do programa aparece aí, neste vídeo que eu coloquei no final da matéria, já que não há trailer nem vídeo promocional do DVD. Trata-se de Castrinho, que vive Cascatinha, um garoto mimado, mas de bom coração. Ele é filho de Cascata (Chico Anysio), um ex-artista de circo. Embora seja pobre, Cascata estraga o garoto por excesso de amor: ele simplesmente não consegue perceber que Cascatinha cresceu. O bordão “Meu paipai, meu garoto” era a marca registrada dos personagens. Com o estouro de Cascata e Cascatinha, Chico Anysio conseguiu rejuvenescer seu público e ganhou a criançada. O sucesso de Cascatinha foi tão grande que ele entrou para o elenco do programa infantil “Balão Mágico”, que é cultuado por todos nós que fomos crianças no início dos anos 80 (https://www.youtube.com/watch?v=tRxmTaO-O1k). Ver o reencontro entre Castrinho e Chico foi emocionante. De arrepiar, mesmo.

“Cartão de Visitas” tem direção de Márcio Trigo, que possui, em seu variado currículo, trabalhos com Faustão e os Trapalhões. Escolha acertada!

• Atores da então novíssima geração da Globo participam da série: Mariana Ximenes, Maria Paula, Eduardo Moscovis e Juliana Paes são alguns. A eles se juntam veteranos como José de Abreu, Glória Pires, Lúcio Mauro, José Wilker e outros já conhecidos. É a arte promovendo o encontro de gerações.   

 A capa que eu postei na matéria é a homenagem que o jornal “O Dia” fez por ocasião da morte de Chico Anysio. A capa do jornal inteira foi dedicada a ele. A manchete não podia ter traduzido melhor o impacto da perda de um homem que tinha várias caras, todas elas a cara do Brasil.

 

EXTRAS

Não tem, infelizmente.

 

EMBALAGEM

Bacana, com caixinha de papelão sobre um estojo bonito e colorido. Era o mínimo que se esperava de uma homenagem a esse gênio da comédia.   

 

Trecho do DVD: 


 

 

FONTES

https://dasantigasnet.blogspot.com/2019/03/chico-anysio-cartao-de-visitas-vol-01.html

https://pt.wikipedia.org/wiki/Chico_Anysio

https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_personagens_criados_por_Chico_Anysio

https://blogs.correiobraziliense.com.br/proximocapitulo/chico-anysio-completaria-88-anos-nesta-sexta-lembre-8-personagens-do-humorista/

https://baurutv.com/2016/11/10/chama-o-sindico-o-canavieira-chico-anysio/

https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/pais/apos-liberacao-judicial-cinzas-de-chico-virao-para-maranguape-1.326539

https://baurutv.com/2016/10/12/nomes-dos-personagens-de-chico-anysio/

 

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