quinta-feira, 22 de outubro de 2020

RITA HAYWORTH, 102 ANOS – POR QUE ELA É RELEVANTE E AINDA INFLUENCIA AS MULHERES


 

Este texto deveria ter sido publicado em outubro de 2018, por ocasião do centenário do nascimento de Rita Hayworth. Porém, naquela época eu tinha dado um tempo da blogosfera e estava afastada. Agora que eu retomei o blog, tirei o texto da gaveta e, feitas as devidas correções de datas, aqui está ele publicado, atendendo a pedidos.

 

    No último dia 17 de outubro, um dos meus ídolos, a atriz Rita Hayworth (1918-1987) teria completado 102 anos se tivesse viva. A data foi (graças a Deus!) muito lembrada lá fora, mas passou praticamente despercebida aqui no Brasil. Isso é uma pena, pois no nosso país, onde já há um preconceito contra qualquer produção cinematográfica feita antes dos anos 1980, essa mulher incrível raramente é lembrada, e quando isso acontece, na maioria das vezes uma infinidade de bobagens é dita sobre ela, sua vida e sua obra. Raramente se fala, porém, sobre o modo como ela influenciou o público feminino tanto em termos de estilo quanto de comportamento, o que ela trouxe para as mulheres, seu jeito único de atuar, dançar, provocar os homens e, por tabela, a censura. Se você chegou agora no meu blog e nem imagina quem seja Rita Hayworth, recomendo antes a leitura do meu texto sobre ela (que, aliás, continua sendo o mais lido do meu blog: http://poltrona-r.blogspot.com/2017/05/rita-hayworth-1918-1987-30-anos-sem.html). Caso você já saiba quem foi Rita Hayworth e/ou a considere uma artista fabricada e de pouca relevância histórica e artística, continue lendo este texto aqui, e veja o que nós mulheres devemos a ela. Você vai se surpreender.

 

O VESTIDINHO PRETO INDEFECTÍVEL


O famoso “pretinho básico” existe desde 1926, graças à genial estilista Coco Chanel (https://www.passaportedoluxo.com/2012/06/historia-do-vestidinho-preto-icone-fashion-criado-por-coco-chanel.html). Mas o boom desta peça de roupa queridinha da mulherada só aconteceu em 1946, quando Rita usou seu famoso tomara-que-caia de cetim negro no filme “Gilda”, e justamente na polêmica cena em que ela tira sugestivamente uma luva. O modelo foi criado pelo estilista Jean Louis, que vestiu a Rainha da Columbia Pictures na maioria de seus filmes. A partir daí, o vestido preto básico entrou para a cultura pop – e para o dia-a-dia feminino.

 

MECHA NO CABELO


Isso mesmo. Em 1941, Helen Hunt, a cabeleireira da Columbia, teve a ideia de pintar uma mecha loira no cabelo de Rita, como forma de suavizar a transição do cabelo da atriz para a testa. Explico: o marido e primeiro empresário de Rita, Edward Judson, cismou que a testa dela era pequena demais e praticamente a forçou a passar por um doloroso processo de eletrólise para remover uma parte de seu cabelo, para que o rosto dela parecesse maior e menos redondo. Como Rita desejava mais do que tudo ser famosa, ela aceitou e fez esse procedimento, mas as marcas que ele deixou na testa precisavam ser amenizadas – daí a sacada de Helen de tingir a parte da raiz do cabelo da diva, perto do rosto, num tom de loiro-claro. Era para ser apenas uma gambiarra, algo provisório até que a cicatriz na testa de Rita sumisse de vez. Inacreditavelmente, as mulheres daquela época amaram a invenção de Helen e passaram a adotá-la em seus próprios cabelos, se referindo ao estilo como “mechas de Rita”.

 

A RUIVICE FASHION


Falando em cabelos, esta é outra boa história. No início de sua carreira, na década de 1930, a jovem atriz Margarita Cansino (nome de batismo de Rita Hayworth) aceitava praticamente qualquer papel que lhe oferecessem, o que fez dela uma espécie de musa dos filmes B. Nessas produções baratas e rodadas em preto e branco, a garota precoce e talentosa quase sempre interpretava os chamados personagens ‘étnicos’ (odeio esse termo), tipo espanhola, odalisca, americana sulista (sim, porque no Sul dos EUA a população latina é grande) e figuras assim. A mocinha, filha de pai espanhol, não saía disso por causa do seu visual e do seu sotaque da fronteira americano-mexicana, onde ela já morava há anos (embora tivesse nascido em Nova York). Mas ao contrário de muitos produtores de conteúdo, que insistem em afirmar que Rita “se vendeu ao sistema e apagou toda a sua origem espanhola por dinheiro e fama, entregou a alma ao diabo, etc, etc”, a futura estrela mudou o visual e adotou artisticamente um sobrenome britânico (que, aliás, era o nome de solteira de sua mãe, uma anglo-americana de sangue aristocrático) apenas para quebrar esse ciclo e conseguir um número maior e mais variado de papéis. Ela emagreceu, afinou as sobrancelhas, clareou os cabelos naturalmente castanho-escuros para um tom de marrom claro avermelhado e mais tarde aderiu ao acajuzão de vez. E esse tom ruivo virou praticamente um sinônimo de Rita Hayworth. Além disso, seu corte de cabelo característico, também conhecido como "Gilda" por causa do filme homônimo, é 'apenas' o penteado mais imitado da História do cinema. Sim, era verdade que Rita era uma menina ambiciosa e que dava um valor excessivo ao sucesso, mas embora tenha alterado sua aparência para evidenciar mais o seu lado britânico e menos a latinidade, por dentro ela sempre foi espanhola de coração. Basta ver as inúmeras fotos dela dançando flamenco, usando trajes típicos da Espanha e (infelizmente) frequentando touradas. Sem contar as inúmeras entrevistas onde ela só fala de suas raízes castelhanas com orgulho.  


DONA DO PRÓPRIO NARIZ


A partir do momento em que foi contratada pela Columbia Pictures, Rita Hayworth viveu tendo brigas feias com seu empresário and sanguessuga Harry Cohn, o proprietário da Columbia e um dos sujeitos mais temidos e detestados da história de Hollywood. Não só ele tinha uma paixão doentia e não-correspondida por Rita (que, aliás, o odiava), como embolsava boa parte dos lucros que obtinha graças a ela. Em 1946, após o sucesso avassalador de “Gilda” no mundo inteiro, Rita exigiu que o empresário lhe desse parte da renda da bilheteria do filme. Harry Cohn não cedeu. No ano seguinte, recém-divorciada de Orson Welles e com a filha de ambos, a pequena Rebecca “Becks” Welles, para criar, Rita tomou uma iniciativa ousada: vendeu tudo o que tinha e fundou uma pequena produtora, à qual deu o nome de The Beckworth Corporation. Era a primeira vez que uma mulher de Hollywood montava e administrava um estúdio de cinema sozinha. A Beckworth conseguiu produzir cerca de meia dúzia de filmes; porém, não se sustentou por muito tempo devido não só à falta de habilidade de Rita como mulher de negócios, mas também às inúmeras complicações da vida pessoal da artista, que consumiram boa parte dos lucros de seu estúdio.

 

PRIMEIRA PRINCESA (REBELDE) DE HOLLYWOOD


Se você está adorando as peripécias de Meghan Markle, a esposa espevitada do Príncipe Harry da Inglaterra, o que você vai ler agora dará um nó no seu cérebro. Em 1948, com Estados Unidos e Paquistão se estranhando, Rita Hayworth conheceu Aly Khan, o bonitão, charmoso e playboy herdeiro do trono paquistanês. Um ano depois, os dois se casavam em uma cerimônia suntuosa, com a noiva já grávida, em segredo, da futura princesinha, Yasmin. Era a primeira vez que uma atriz de Hollywood se tornava uma princesa. O sonho, porém, se revelou um pesadelo. Tanto nos Estados Unidos quanto no Paquistão o público da atriz começou a boicotar os filmes dela, que resolveu sumir por um tempo e se dedicar à filha e ao marido, antes de decidir que atitude tomar. Para piorar, o relacionamento de Aly e Rita se tornou insuportável, pois ele, além de traí-la, exigia que ela largasse a carreira para sempre e o obedecesse sem questioná-lo. Isso mais a falta que ela sentia de atuar acabaram por deixar Rita doente, física e psicologicamente. Ela pediu o divórcio, e ele, alegando que ela não tinha condições de cuidar de Yasmin, quis tirar-lhe a guarda da filha. Numa atitude corajosa, Rita pegou a filha e se mandou de volta para os Estados Unidos – afinal, o que era um título de princesa para quem já carregava os de 'Rainha da Columbia Pictures' e 'Deusa do Amor'? Ao desembarcar do avião em Nova York, quando um jornalista veio lhe encher a paciência, Rita deu um sorriso e mandou a seguinte frase: “A primeira coisa que vou fazer (aqui nos EUA) é comer um hot dog”. Atualmente, Meghan Markle, por ter peitado uma família real rançosa com a cara da qual eu nunca fui, mostrou uma grande coragem, SIM. Porém, chamá-la de “nova Rita Hayworth” é um tremendo exagero. Primeiro, porque a Rainha da Columbia viveu em tempos muito mais difíceis do que o nosso, principalmente para a mulherada. Segundo, porque em termos de classe, elegância e inteligência Meghan está longe de ter estofo para ser a “Rita Hayworth 2, A Missão” – mas aí também já seria pedir demais.

 

BATALHA CONTRA A CENSURA


Qualquer pessoa que já tenha lido um pouco sobre o cinema dos anos 1930, 1940 e 1950 sabe que aqueles eram tempos em que a censura comia solta em Hollywood. Para driblar a galera da Legião da Decência (que eu carinhosamente chamo de Legião da Demência), os produtores, diretores, autores e até os próprios atores tinham que ser extremamente inteligentes e capazes de sacadas espertas. Foi nessa época que surgiu e prosperou a geração de atrizes que ganharam o apelido de “Pin-Up Girls”, ou simplesmente “Pin-Ups” (o termo vem da expressão inglesa 'to pin up', que significa 'pendurar'). Sim, porque elas eram adoradas pelos soldados da Segunda Guerra Mundial, que afixavam fotos e pôsteres delas na parede (planejo um novo texto sobre esse tema). Embora menosprezadas pelos críticos e a intelectualidade da época, essas moças eram artistas completas, que cantavam, dançavam e atuavam muito bem e, além de tudo, eram bonitas e usavam o que, para os padrões da época, era muito pouca roupa. Dentre essas divas, se destacaram Betty Grable, Ann Miller, a jovem Lucille Ball (sim, ela foi pin-up girl antes de ser humorista) e Ava Gardner. Nenhuma delas, no entanto, foi tão polêmica e tão bombásticaliteralmente – quanto Rita Hayworth. Além de ter vários de seus filmes censurados, a Rainha da Columbia foi chamada de nomes nada agradáveis pela imprensa, que a considerava uma mulher “imoral” e um “mau exemplo”. A verdade era que Rita estava à frente de seu tempo. Mesmo jamais tendo ficado nua em público, ela levava ao delírio os homens de sua época, menos pelo seu figurino em filmes como “Modelos” e “O Coração de Uma Cidade”, e mais pelas personagens ousadas, independentes, cínicas e sedutoras que encarnava nas telas. Rita foi a melhor intérprete de anti-heroínas que já existiu, e seu estilo, copiado à exaustão pelo público feminino, fez com que as mulheres se sentissem “livres” em plena época de censura braba. Tal ousadia lhe valeu uma homenagem (que ela detestou quando soube): sua foto foi estampada na bomba atômica jogada pelos americanos no Atol de Bikini, no Oceano Pacífico, em 1946. Os intelectuais fundiam a cuca para destrinchar o sucesso, para eles inexplicável, daquela mulher (como prova a histórica matéria “O Culto da Deusa do Amor nos Estados Unidos”, publicada na revista LIFE em 10 de novembro de 1947 https://books.google.com.br/books?id=p1EEAAAAMBAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false). Porém, da boca da grande maioria desse pessoal só saíam abobrinhas. Coisa que, aliás, não mudou muito até nossos dias...



    Embora tivesse tido de fato uma vida amorosa triste e feito de tudo para “segurar” seus parceiros na vida real, a artista Rita Hayworth deve ser lembrada como o que realmente foi: um símbolo de sensualidade feminina, elegância sem vulgaridade, e resistência contra a censura. Alguém cuja influência permanece há décadas, não só pelo carisma e talento, mas também pelo excelente trabalho que deixou. Desde os anos 50, houve inúmeras tentativas, todas furadas, de emplacar uma nova Rita Hayworth. Ela era única e seu estilo é inimitável. Por tudo isso é que eu sou tão fã dela. O resto, para mim, são polêmicas inúteis.

 

FONTES


https://www.vanityfair.com/hollywood/2020/09/rita-hayworth-biography-trauma

 https://www.revistavanityfair.es/sociedad/articulos/boda-rita-hayworth-orson-welles/43802

 https://www.revistavanityfair.es/sociedad/articulos/rita-hayworth-vestido-novia-ali-khan-jacques-fath-boda/38441

 https://www.revistalofficiel.com.br/moda/10-fatos-sobre-coco-chanel

 

Livros:

* LEAMING, Barbara. If This Was Hapiness – a biography of Rita Hayworth. EUA, Viking Penguin, 1989.

* MCLEAN, Adrienne L. Being Rita Hayworth – Labor, Identity and Hollywood. EUA, Rutgers University Press, 2004.

*disponíveis em https://archive.org/. Não publicados no Brasil.

 

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Uau, muito obrigada! Você não tem ideia do trabalho que deu pra fazer. Se gostou, compartilha aí. Dá uma forcinha pra mim! Abraços!

      Excluir